Best of



Best of
Seis gravuras, seis estórias.
Com Lisa Teles
Edição Escaravelho

Apresentação dia 24 de Março na Livraria Arquivo (Leiria). 
Inserida na Ronda Poética

Contágio

Num destes sábados reuniu em Leiria um conjunto de fotógrafos. Ou talvez não seja bem assim, já que alguns não se autodenominam fotógrafos mas Instagramers. Recomeçando: num destes sábados reuniu em Leiria um conjunto de pessoas que fotografam e publicam o seu trabalho no Instagram. Chamou-se a isso Instameet e foi o primeiro realizado em Leiria. Perto de cinquenta pessoas percorreram a cidade e fotografaram o que as seduzia, o que as cativava, o que as fazia parar. Foi uma experiência fantástica acompanhar um grupo tão heterogéneo e assistir de perto ao seu entusiasmo, à sua criatividade. Pelo meu lado, fiz o que me fora pedido: de cadernozito na mão, fui escrevendo impressões e devaneios a partir daquilo que observava e sentia; se alguém me tivesse perguntado, explicaria que converter o que vejo em palavras é a minha forma de fotografar. Ao longo do dia o caderno foi passando de mão em mão; e houve quem usasse algumas das frases lá escrevinhadas no seu processo fotográfico, interpretando as palavras e tornando-as suas, transformando-as em imagem. Comove-me sempre a generosidade de quem se desvia do seu caminho habitual, de quem integra os outros no seu percurso, de quem aceita cumplicidades e partilhas. Foram surgindo publicações que incorporavam textos meus e, claro, fui sendo surpreendido porque é fascinante descobrir como os outros vêem as minhas palavras; é fascinante regressar a essas palavras e senti-las de um modo novo, contagiado pela interpretação que os outros fizeram delas. Talvez seja isso o que mais aproxima literatura e fotografia: são exteriorizações concretas do que se vê, do que se sente, do que se questiona, do que se teme, do que se sonha; interpretações que pelo simples facto de existirem afectam o mundo. A cada fotografia que olhamos ou a cada texto que lemos surge a possibilidade de ver e sentir e pensar e questionar a realidade através do olhar de quem fotografou ou escreveu; como se usássemos uns óculos emprestados. Ou como vivermos numa casa que sempre conhecemos e de repente descobrir que existe uma janela em que nunca tínhamos reparado; abrimos essa janela e olhamos a mesma paisagem mas de um ângulo diferente, vendo na paisagem de sempre algo novo. Visitar Leiria acompanhado pelo entusiasmo destas pessoas permitiu-me isso mesmo: ver algo novo naquilo que olho todos os dias. E acompanhar as publicações que foram fazendo utilizando textos do caderno permitiu-me olhar de forma nova para aquilo que escrevo (ou seja, para aquilo que penso e sinto; para aquilo que sou). Seduz-me este labirinto contagioso de olhares; seduz-me a possibilidade de existência de cumplicidade entre olhares, a possibilidade de contaminação dos olhares. Seduz-me que os olhares se toquem e se influenciem. Seduz-me que o olhar, sendo livre, recuse o isolamento e opte por buscar a liberdade de outros olhares; porque ao fazê-lo amplia o seu campo de visão, aprofunda a sua liberdade. E até onde nos pode levar o nosso olhar, se o seguirmos sem medo?

Crónica para o Jornal de Leiria.