Um sonho

... de Maraia.

Postais pedidos

Por vezes, apetece fazer qualquer coisa tonta... Por exemplo: enviar postais e imaginar o sorriso de quem os recebe.
Postais de papel escritos à mão. Com uma estória. Entregues por um carteiro.
Uma pausa nos gifs e memes e emojis e likes. E nos feeds.
Quem quiser, peça. E um dia destes receberá um postal. É só escrever para minimalistamini@gmail.com e esperar uns tempos.

Raiz


Exposição de Sandrine Cordeiro na Livraria Arquivo.
A partir de 2 de Novembro. 

Gato preto

Arte Pública Leiria. Um gato e um texto.

Não falta nada


"Nesta segunda visita ao ninho da criatividade e representação, O Nariz, levava comigo a curiosidade expectante gerada pela envolvência e pela novidade de visionar e ouvir a peça escrita pelo Paulo Kellerman, sabendo com antecipação que, depois desta ter sido lida por mim, a minha imaginação já criara cenários, vozes, sons e melodias, jeitos e trejeitos, movimentos e saltos de rompante ou amenizados, em suma, um pequeno mundo ao sabor dos meus peculiares pensamentos.

Dou por mim a questionar quanto ao facto de não ter sido fácil arrancar aos actores a anuência para apresentar ao público o que ainda era embrionário e sem estar completamente ensaiado e aprimorado com perfeição. Perfeição? (riso) Quem acredita nisso? Perfeito… Nunca o será. Haverá sempre algo que escapará intocável na sua magnífica imperfeição por uma das frinchas dessa madeira que reveste o palco: o improviso. A surpresa do improviso. A surpreendente arte do improviso. Sorrio.

Para mim que assisti à leitura pública da peça, foi gratificante sentir e perceber que acima de tudo há um gosto e uma entrega ao projecto que não é de um, mas de todos, com as diferenças inerentes à personalidade de cada um e que por vezes, imagino eu, colidindo entre si, fazendo contudo parte de toda esta criação.

Quem escreve, quem encena, quem representa revê-se em determinadas passagens, palavras, cenas, ou diálogos e sente que é algo de si que ali está e fica entusiasmado e inquieto ao mesmo tempo, aguardando pela reacção do público. Eu ri, sorri, chorei de rir, cantarolei acompanhando a cantoria, calei e fiquei pensativa. Emocionei. Indaguei em silêncio.

Não vou, nesta minha divagação, escrutinar quanto a pormenores relativos à encenação, à representação, à noite, ao espaço, mais haverá quem o faça com outros conhecimentos técnicos… apenas vou evidenciar que a entrega a que se assistiu, não é apenas uma questão de generosidade individual, estamos ali porque acreditamos na diferença, na partilha de experiências, nos momentos de amizade.

Conseguem-se presenciar (no palco e no público) tantos momentos e tão únicos e diversificados de quadrantes sociais e humanos, de conhecimentos, de profissões, de talentos, de estatutos, que num repente inusitado, colocam-nos nesse básico e linear papel humano que é o nosso, em que perante a morte, mesmo sendo nesse em que as realidades se encaram de forma diferenciada, acabam no fundo por ser iguais ao que somos: pó de um corpo, energia de uma alma.

Não posso deixar de referir que o inconformismo que caracteriza e alimenta muitos de nós está muito bem aflorado, somos espicaçados (quem não gosta desta palavra?!): não ao comodismo, não à indiferença, não ao marasmo, não ao ser porque sim, não ao estar por estar… há algo que nos espera, é preciso sair e procurar.

Escrevinhei, não tem muitos dias, algo que me parece pertinente para o momento:
Na natureza a inspiração… no espaço a dimensão. E ambas sem limites.

(Obrigada a todos pela oportunidade…)"

Texto de Cristina Vicente
Foto de Carla de Sousa

A primeira vez








Falta aqui qualquer coisa
Leitura pública no dia 11/10/2019
Espaço O Nariz, Leiria
Fotos de Carla de Sousa

Falta aqui qualquer coisa

Estamos no céu. Numa espécie de loja do cidadão, a funcionária de serviço discute com uma estagiária sobre os problemas e os desafios de se morrer e ir para o céu. Entretanto a repartição abre ao público e os utentes vão desfilando com os seus requerimentos e reclamações. Há uma cantora que pretende organizar um arraial ou uma jovem que se queixa de ter morrido demasiado cedo; preenchem os formulários adequados e aguardam. Depois surge uma sequestradora. Transforma todos os presentes em reféns e exige falar com deus. É-lhe explicado que se quer falar com deus, basta rezar. Responde que a reza é sempre um monólogo e ela pretende dialogar; que o problema do mundo (e do céu) é que todos falam mas ninguém ouve. A tensão cresce, a confusão instala-se, a discussão generaliza-se. Como sempre acontece nos momentos menos oportunos, surge uma inspecção. A desordem aumenta, o conflito é permanente. E então surge finalmente deus, acompanhado da secretária. Entre discussões e reflexões, cantorias e piadas, tensões e relaxamentos, os diferentes monólogos vão-se tentando aproximar e conciliar de modo a formarem diálogos. Todos se revelam imperfeitos, todos se sentem incompletos, todos se queixam; porque falta sempre qualquer coisa. Este é um breve resumo da peça “Falta aqui qualquer coisa”, que escrevi para O Nariz – Teatro de Grupo. Está a ser ensaiada e deverá estrear no início do próximo ano; por enquanto, haverá uma leitura pública no dia 11 de Outubro (22h, Espaço O Nariz). Tal como acontecera antes, com a peça “Libelinhas”, deslumbra-me a magia de alguém pegar num texto que escrevi e lhe dar vida, corpo e som, intensidade e espessura, riso e cor, movimento, humanidade. Há uma generosidade nestas pessoas que me comove sempre; durante algumas horas por semana, suspendem os seus problemas, as suas dores, os seus prazeres, as suas prioridades; e apesar das diferenças, unem-se para criar algo comum, algo que contém um pouco da sua individualidade e da sua personalidade, da sua alma. No início há apenas palavras escritas; a arte de encenador e actores está em transformar essas palavras num espelho vivo, onde cada espectador se pode encontrar. E espera-se que cada espectador, tal como a sequestradora da peça, busque diálogos e não se resigne a monólogos; que perante a peça, encontre uma forma de interagir com aquelas personagens, com aquelas ideias, com aqueles sentimentos; que não se limite a escutar, ver, sentir; mas que responda, que reaja, que se manifeste. Que ria. Que dialogue. Porque talvez nos falte sempre qualquer coisa, a todos; e isso une-nos: a busca, a necessidade de compreender, de pertencer. Talvez o conforto seja nosso inimigo; porque enquanto nos falta alguma coisa, não nos resignamos a parar. É isso que nos desassossega e inquieta; e talvez seja isso que nos faz mover e avançar. Haverá sempre quem escreva ou represente, quem leia ou assista a espectáculos teatrais; quem procure construir diálogos. Porque falta sempre qualquer coisa; e ainda bem.

Crónica para o Jornal de Leiria.