Corpo
Escrevi um monólogo sobre uma mulher em busca da sua identidade, da sua essência, da sua afirmação, da sua liberdade. A Cátia pegou nesse texto e, sem alterar uma vírgula, transformou-o numa peça para cinco actrizes e quatro actores. Formou uma sequência de cenas que se encadeiam na perfeição, criando uma coreografia visual e emotiva que convida o espectador a percorrer um trajecto misterioso, intenso, confrontativo, onírico, oscilando entre riso e choro, inocência e crueldade, medo e esperança, conformismo e revolta, angústia e confiança. Um bailado meticuloso de gestos e movimentos, de acções, de toques reais e imaginados; e lá por trás, as palavras.
O que penso: a palavra é o princípio de tudo, mas nunca deve ser um fim. E este espectáculo é um exemplo perfeito disso: nasceu da palavra e cresceu de forma bela e inesperada, voraz, tornando-se algo novo e vibrante, com pulsação, com entranhas; a palavra ganhou corpo. Um corpo que fala, que incentiva, que confronta, que despreza, que ama. Um corpo generoso, mas exigente. Um corpo vulnerável. Um corpo que procura outro corpo. Um corpo como o nosso.
Obrigado: Cátia Ribeiro. André Fonseca, Andreia Mateus, Catarina Mamede, Diogo Pinto, Emanuel Jacinto, João Matos, Liliana Silva, Rita Rosa e Sandrine Cordeiro. Nelson Brites e Rui Capitão. Equipa da Blackbox Leiria.
A foto é da Cristina Vicente, tirada num ensaio; apenas falta o Nelson.
Paulo & Paulo
Música: Paulo Vicente POROS
Texto e voz: Paulo Kellerman
Parte do livro
AND WHEN THE QUESTIONS ARE OVER?
REIMAGINED
Diário de quem participou
"Vi e ouvi este texto pela primeira vez na voz e interpretação da Cátia Ribeiro e da Ana Padrão em 2023. Lembro-me de, no final da performance, estar de lágrimas nos olhos e de sorriso no rosto. Quando o convite para esta peça surgiu, senti responsabilidade, medo e tantas ganas de dar voz e corpo a estas palavras! O texto do Paulo e os poemas da Cátia são de uma humanidade tremenda. Hoje, num espetáculo minuciosamente montado por camadas, sou uma das mães. A mãe doce, a mãe vulnerável e sensível e, ao mesmo tempo, honesta e transparente. Tem muito de mim esta mãe, talvez por isso esteja a ser uma viagem tão alucinante a lugares escuros de dentro. Mas acredito que tem muito de muitas mulheres também. Muitos gritos contidos, muita revolta, muita vida! “O Diário de quem ficou” é simultaneamente um diário de guerra e de morte e um diário de vida e de esperança. É um despertar! E faz tanta falta que cada um de nós seja como esta mãe, uma vela que acordou vulcão! É esta parte de que gosto mais: o despertar. Percebo-o agora. O incendiar da vela até à explosão da mulher-vulcão! (suspiro) sou apaixonada por este texto. Sinto orgulho desta mãe." ANDREIA MATEUS
"Não sei bem o que dizer sobre o “Diário de quem ficou”. Sinto que, por mais que fale, nada fará jus ao magnífico texto nem ao que vivi durante a criação do espetáculo. Sou a mãe que perde o filho para a guerra, sou a mãe que viveu oprimida na sombra do marido e presa no tempo das desigualdades, sou a mãe que grita, em silêncio, por uma revolução. O “Diário de quem ficou” é opressão e liberdade, é uma peça que nos obriga a abrir os poros entre a palavra medo, de tão dura realidade e a palavra abraço, tanta a vontade de amor de qualquer uma das mães ali representada. Este cordão de palavras entrou-me no corpo, apertando os rins, o fígado, o estômago, e finalmente o coração estrangulado num laço que se aperta entre horrores e afetos. Vale a pena assistir, há um assombro que nos acossa a alma e que é preciso, talvez hoje, mais do que nunca." LILIANA SILVA
"Em “Diário De Quem Ficou” sou o soldado que foi para a guerra, que não teve coragem de fugir. Sou o filho que procura a aprovação de uma mãe que vive na espera e no medo de o perder. Construir a personagem obrigou-me a explorar não só o conflito externo da guerra mas também as batalhas internas que travamos nas nossas vidas: a ausência, a distância e a incapacidade de expressar sentimentos que tantas vezes se tornam tão dolorosos como os tiros e a morte. Pelo meio da narrativa, a minha namorada escrevia poemas e morre. Parece uma metáfora para essas batalhas internas, uma presença quase fantasmagórica que vem sublinhar a fragilidade das nossas vidas e a injustiça do destino. Esta história vem-nos lembrar de que, mesmo na escuridão, o amor e a arte podem oferecer um vislumbre de beleza e esperança, tornando-a profundamente comovente e universal." EMANUEL JACINTO
(FOTO: Cristina Vicente)
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