Libelinhas
"Passamos pela beleza sem reparar, como se nos faltassem os óculos da beleza, e sem esses óculos apenas vemos a normalidade."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Sílvia Bernardino.
Libelinhas
"As pessoas habituaram-se a pensar que a generosidade está relacionada com o dar. Não é? Mas o pedir também envolve generosidade. É preciso ser generoso para pedir algo; e para aceitar uma recusa."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Inês Sarzedas.
Libelinhas
“Consigo olhar para mim e ver o que se passa cá dentro, não fujo."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Luciana Esteves.
Libelinhas
"É um bocadinho espantoso como passamos os dias rodeados de pequenas belezas e nem notamos, como se estivéssemos sempre à espera de belezas grandiosas e apenas essas valessem a pena."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Sónia Silva.
Libelinhas
"É um dos maiores luxos da vida, não acham? Poder ignorar a passagem do tempo, não contar os segundos."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Carla de Sousa.
12 + 12 + 12 = 2018
Doze meses, doze fotos de Sílvia Bernardino, doze textos. Um calendário para 2018. À venda na Improviso.
Libelinhas
"Se é para chorar, que seja à noite e pronto, tenho almofadas bem boas para isso. E ninguém precisa de aturar as minhas dores, ok?"
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Maria João Alves.
Libelinhas
"No fundo, todos nós passamos a vida à espera. Ou não é? Estamos sempre à espera de qualquer coisa. Sempre. Geralmente, coisas sem importância. Coisas que nos parecem fundamentais mas que são apenas distracções. O verdadeiro luxo é não esperar nada. Não ter de esperar. Acho eu."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Mónica Brandão.
Libelinhas
"Sentes-te completamente abandonado, mesmo que saibas que estás rodeado por centenas de pessoas, sentes a sua presença, o seu cheiro; imagina um cheiro tão intenso que te aperta o estômago e te magoa quando respiras. É o cheiro do desespero. Consegues imaginar?"
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Teresa Marques dos Santos.
Libelinhas
"Já reparaste que pedir algo a alguém é uma forma de submissão? De te colocares nas mãos do outro? De certa forma, para pedir algo é preciso ser corajoso."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Ana Gilbert.
Libelinhas
"Se calhar a esperança é uma forma de resignação, se calhar a resignação é uma forma de esperança. Sei lá."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Rita Fernandes.
Libelinhas
"Enquanto houver choro, há vida, há resistência, há esperança. O choro é a última coisa a morrer, e enquanto não morrer tudo é possível."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Ana Marques.
Asas
Houve um rapaz que conheceu uma rapariga. Ele apaixonou-se, ela nem por isso; mas ele só percebeu mais tarde: quando lhe ofereceu uma flor. É que não havia transportes, tudo isto se passou no tempo em que se andava a pé. Ele vivia numa aldeia, ela noutra; pelo meio, muitos quilómetros de distância. Isso não o preocupava, sempre ouvira dizer que o amor é cego (mentira) e que dá asas (talvez), o que é bom para quem tem de andar a pé. Num domingo levantou-se cedo e foi ao jardim da mãe, andou às voltas até decidir qual era a flor mais bonita, apanhou-a cuidadosamente e pôs-se a caminho. Ia pensando no que poderia acontecer quando oferecesse a sua flor (sonhava acordado, e isso é que dá asas: o sonho); por vezes, interrogava-se se teria escolhido a flor certa; se haveria uma flor certa. Ia tão distraído com os seus pensamentos que nem reparou quando apareceu a primeira borboleta, nem a segunda nem a terceira; só percebeu que algo anormal estava a acontecer quando já voavam mais de vinte borboletas à sua volta. Caminhava pelos campos desertos e silenciosos, agarrando a sua flor com delicadeza; e atrás de si, atrás do perfume da sua flor, seguia um rasto de borboletas. Achou estranho porque nunca vira borboletas no jardim da mãe mas decidiu que não haveria problema em chegar ao seu destino tão bem acompanhado. Quando entrou na aldeia, segurando orgulhosamente a flor, era seguido por mais de mil borboletas; formavam uma espécie de arco-íris vivo e fluido, mutante; era uma coisa bonita de se ver. Havia no ar um leve murmúrio provocado pelo bater de todas aquelas asas; como se fosse uma oração. As pessoas da aldeia vieram espreitar tão estranha procissão, escutar tão rara prece; algumas aplaudiram, outras benzeram-se; todas em silêncio, talvez fascinadas, talvez assustadas. Por fim, o rapaz chegou à porta da casa da rapariga. Ela saiu, olhou as borboletas, abanou a cabeça. Ele aproximou-se e estendeu a mão com a flor, como se fosse a mais preciosa das dádivas. As borboletas voavam em círculos, os vizinhos observavam. Ele aguardou pelo sorriso com que sonhara, a mão estendida, a flor à espera. Mas ela não a segurou; disse, num tom rabugento: não me trouxeste nada para comer? Nesse momento, as borboletas entraram em alvoroço e voaram freneticamente, formando uma espécie de tornado; desapareceram em poucos segundos. Ficou o silêncio, e nada mais. Ela regressou a casa, ele percebeu que o amor pode dar asas mas também é muito estúpido. Abandonou a aldeia apressadamente, indiferente aos ocasionais risos da audiência. Como não tinha nada melhor para fazer, foi contando os passos que dava. Quando chegou a oitocentos e dezoito sentiu vontade de se deitar na erva fofa e dormir, porque contar passos ainda era mais eficaz que contar ovelhas; nunca vira uma ovelha mas sabia que existiam; tal como o amor: nunca o vira mas sempre contara com ele, sabia que certamente existiria. Chegou de madrugada e a primeira coisa que fez foi devolver a flor ao jardim da mãe, depositando-a sobre a relva humedecida pelo orvalho; talvez ressuscitasse. Depois foi para o seu quarto e adormeceu. Sonhou com borboletas.
Crónica para o Jornal de Leiria.
Libelinhas
"Viver é esperar."
Libelinhas | Encenação de Pedro Oliveira para O Nariz.
Foto de Teresa Bret Afonso.
Preocupações engarrafadas
Trouxe uma garrafa consigo. Toda a gente olhava para a garrafa e pensava que estava vazia; por isso é que permitiram que passasse no aeroporto: parecia mesmo vazia. Mas não estava, apenas ele sabia que não estava. Antes de partir, passara algumas horas fechado em casa, apenas ele e o escuro, o silêncio, os minutos a passarem; e a garrafa. Encheu-a com as suas preocupações. Não admitiria a ninguém, era um segredo (e não queria que lhe chamassem tolo, ou pior), mas foi o que fez: pensou nas suas preocupações, uma a uma, e enquanto as pensava tentou encerrá-las na garrafa, prendê-las lá. Preocupações engarrafadas. Descobrira há muito que as suas preocupações precisavam de espaço para viver e crescer, tratava-se de uma simples lei da física (a sétima de Newton ou assim); e quando fizera essa descoberta, especulou que nada obrigaria a que o espaço onde as suas preocupações cresciam e se multiplicavam fosse sempre o mesmo: o seu cérebro, o seu espírito. No fundo, as preocupações eram matéria, uma matéria indefinida e volúvel, mas nada mais do que matéria; e a matéria é transportável, transferível. Uma simples lei da física, diria a quem o ouvisse se alguma vez pudesse falar de tão peculiar assunto. Foi por isso que começou a transferir as suas preocupações do cérebro para garrafas. Sentia-se mais leve, mais livre. Despreocupado. E quando viajava, levava uma dessas garrafas consigo, para se poder livrar definitivamente das preocupações que lá guardara (quando as mantinha em casa, já acontecera algumas vezes uma delas quebrar-se, e fora invadido por todas aquelas preocupações armazenadas que julgara definitivamente esquecidas; um valente escagaçal, diria o Newton se soubesse falar português). Foi o que aconteceu uma vez mais: trouxe uma garrafa consigo. Toda a gente olhava para a garrafa e pensava que estava vazia. Mas não estava. No segundo dia de viagem, subiu a uma montanha e atirou a garrafa com toda a força de que foi capaz; ouviu o zunido que os objectos sempre fazem ao cortar o ar, depois o silêncio, depois o ténue estilhaçar do vidro a quebrar nas rochas. (Claro que poderia usar uma garrafa de plástico ou qualquer outro recipiente inquebrável mas, afinal, as suas preocupações eram uma parte de si – eram vida – e não apreciava a ideia de as saber aprisionadas indefinidamente; gostava de saber que estavam livres, desde que longe de si.) Contemplou o horizonte, respirou o ar puro enquanto observava o verde da linha de árvores misturar-se com o azul desvanecido do céu, esperou pelo pôr-do-sol; cheirava a árvore, cheirava a rocha, cheirava a paz. Quando regressou ao hotel, todos disseram que parecia alegre e feliz, despreocupado. Sorriu e disse que devia ser o ar da montanha que o fazia sentir-se mais leve; foi um sorriso que se prolongou durante muito tempo, como sempre acontece aos sorrisos das pessoas que não têm preocupações.
(Crónica para o Jornal de Leiria.)
Entre Janelas
Entre Janelas, um livro de Elsa Margarida Rodrigues, nascido no blogue Fotografar Palavras. Disponível na Livraria Arquivo.
"Vivemos vidas inteiras nos intervalos dos dias."
Libelinhas
Espaço O Nariz / Leiria (Foto: Maria João Alves)
Libelinhas
22º ACASO Festival de Teatro
Sábado 21/10
Espaço O Nariz / Leiria – 22h
O Nariz Teatro – Leitura pública da peça “Libelinhas” (a estrear em 2018)
Autor – Paulo Kellerman
Encenação – Pedro Oliveira
Interpretação – Ana Moderno, Bruno Jerónimo, Liliana Gonçalves, Sónia Pedrosa, Laura Perdomo Bouza Mayor e Tânia Chavinha
Um grupo de amigos reúne-se com a intenção de organizar um plano de apoio aos refugiados. Entre seriedade e riso, tensões e debates, cumplicidades e antagonismos, confissões e indiferenças, embrenham-se nos seus próprios problemas e as boas intenções vão-se revelando inconsequentes, tão bonitas quanto fugazes. Tal como o voo das libelinhas: a sua beleza cativa e seduz mas não deixa rasto. E se no oriente as libelinhas simbolizam a capacidade de transformação e de mudança constante, talvez para estes amigos ocidentais representem apenas efemeridade e inconstância. Seremos todos libelinhas?
Rascunhos de Verão
Fio
«Imagina que és um papagaio de papel a voar entre as nuvens, no meio do céu azul. Sabes aquele fio fininho e quase invisível que te prende à terra e te guia, que te dá sentido e orientação? É como a memória. Se não fosse esse fio, andavas simplesmente às voltas, perdido no vento.» Diz o avô ao neto.
Estória de amor I
Era uma vez uma sereia que se apaixonou por um marinheiro. Seguiu o seu barco durante anos e anos e anos, à espera que ele a olhasse. E um dia, ele olhou-a. Nervosa, ela disse: «O meu sonho é plantar um jardim contigo. E vê-lo crescer.» O marinheiro sorriu e respondeu: «Adoro sonhos impossíveis.»
Estória de amor II
O marinheiro construiu uma cabana numa falésia com vista para o mar; nas traseiras, havia uma pequena lagoa, onde a sereia nadava e o marinheiro passeava de canoa. Ao fim da tarde, cuidavam juntos do jardim que todos os dias crescia mais um pouco. E diziam um ao outro: «Não há sonhos impossíveis.»
Uma azeitona
O menino encontra uma azeitona no chão. Pega-a delicadamente e, com um sorriso no olhar, aproxima-se do avô, estende-lhe a mão. «Que se passa? Que tens aí?», pergunta o avô. O menino estende a mão com a azeitona e sorri ainda mais: «Trouxe-te uma árvore.»
Raízes no bolso
O avô apanha um punhado de terra e coloca-a no bolso das calças. Depois, apanha um novo punhado de terra e coloca-o no bolso das calças do neto. Responde ao seu olhar interrogador: «Faz de conta que somos árvores. E precisamos alimentar as nossas raízes, não é?»
Iupi?
Pegam num avião de papel, colocam um caracol lá em cima, põem-lhe uma carica a fazer de capacete, prendem tudo com fita-cola. E atiram o avião com força. Imaginam que o caracol voador diz “iupi”. Mas talvez tenham percebido mal. E felizmente não se aleijou. «A carica foi uma boa ideia.»
Árvore de giz
O menino decide que não é bonito guardar a sua colecção de folhas de árvore presa numa caixa. Então, desenha o tronco de uma árvore com giz, numa parede do seu quarto; depois cola as vinte e três folhas da colecção nos ramos desenhados. Quando vê a árvore de giz, a mãe ralha muito; mas por dentro, está a sorrir.
Diálogo
Há pessoas que gostam de estar em varandas e ver as nuvens passarem. Há nuvens que gostam de ver pessoas nas varandas a olharem para si. Não fosse a timidez e talvez até pudessem conversar entre si, estas pessoas e estas nuvens. Diriam: «Boa tarde». Diriam: «Está fresco, hoje». Diriam: «Até breve».
Já está
«Vou levar a lua para casa», diz o menino. A mãe encolhe os ombros e sorri. «E como vais fazer isso?», pergunta a mãe. O menino sorri o seu sorriso de menino, que é igualzinho ao da mãe; sorrisos gémeos. Depois, olha directamente para a lua como se a estivesse a ver pela primeira vez, fecha os olhos com força, respira fundo (ou seja: faz muito barulho a respirar) e diz: «Pronto, já está. Guardei-a.»
«Imagina que és um papagaio de papel a voar entre as nuvens, no meio do céu azul. Sabes aquele fio fininho e quase invisível que te prende à terra e te guia, que te dá sentido e orientação? É como a memória. Se não fosse esse fio, andavas simplesmente às voltas, perdido no vento.» Diz o avô ao neto.
Estória de amor I
Era uma vez uma sereia que se apaixonou por um marinheiro. Seguiu o seu barco durante anos e anos e anos, à espera que ele a olhasse. E um dia, ele olhou-a. Nervosa, ela disse: «O meu sonho é plantar um jardim contigo. E vê-lo crescer.» O marinheiro sorriu e respondeu: «Adoro sonhos impossíveis.»
Estória de amor II
O marinheiro construiu uma cabana numa falésia com vista para o mar; nas traseiras, havia uma pequena lagoa, onde a sereia nadava e o marinheiro passeava de canoa. Ao fim da tarde, cuidavam juntos do jardim que todos os dias crescia mais um pouco. E diziam um ao outro: «Não há sonhos impossíveis.»
Uma azeitona
O menino encontra uma azeitona no chão. Pega-a delicadamente e, com um sorriso no olhar, aproxima-se do avô, estende-lhe a mão. «Que se passa? Que tens aí?», pergunta o avô. O menino estende a mão com a azeitona e sorri ainda mais: «Trouxe-te uma árvore.»
Raízes no bolso
O avô apanha um punhado de terra e coloca-a no bolso das calças. Depois, apanha um novo punhado de terra e coloca-o no bolso das calças do neto. Responde ao seu olhar interrogador: «Faz de conta que somos árvores. E precisamos alimentar as nossas raízes, não é?»
Iupi?
Pegam num avião de papel, colocam um caracol lá em cima, põem-lhe uma carica a fazer de capacete, prendem tudo com fita-cola. E atiram o avião com força. Imaginam que o caracol voador diz “iupi”. Mas talvez tenham percebido mal. E felizmente não se aleijou. «A carica foi uma boa ideia.»
Árvore de giz
O menino decide que não é bonito guardar a sua colecção de folhas de árvore presa numa caixa. Então, desenha o tronco de uma árvore com giz, numa parede do seu quarto; depois cola as vinte e três folhas da colecção nos ramos desenhados. Quando vê a árvore de giz, a mãe ralha muito; mas por dentro, está a sorrir.
Diálogo
Há pessoas que gostam de estar em varandas e ver as nuvens passarem. Há nuvens que gostam de ver pessoas nas varandas a olharem para si. Não fosse a timidez e talvez até pudessem conversar entre si, estas pessoas e estas nuvens. Diriam: «Boa tarde». Diriam: «Está fresco, hoje». Diriam: «Até breve».
Já está
«Vou levar a lua para casa», diz o menino. A mãe encolhe os ombros e sorri. «E como vais fazer isso?», pergunta a mãe. O menino sorri o seu sorriso de menino, que é igualzinho ao da mãe; sorrisos gémeos. Depois, olha directamente para a lua como se a estivesse a ver pela primeira vez, fecha os olhos com força, respira fundo (ou seja: faz muito barulho a respirar) e diz: «Pronto, já está. Guardei-a.»
Chamamento
Porque estás aqui?
Qual a importância deste momento?
Já reparaste como a vida avança em ciclos?
Dias que se sucedem. E depois semanas, meses, anos.
É como se vivesses no interior de uma rotunda, sempre às voltas.
Porque, no fundo, tudo é circular. Tudo se repete.
E os momentos vão-se dissolvendo uns nos outros, misturando-se.
Como enganar o futuro e torná-lo inesperado?
Como sair da rotunda?
Afinal, o futuro tem pouco de verdadeiramente imprevisível.
Mesmo que os acontecimentos te surpreendam, tu és sempre tu.
A forma como vês e ouves é sempre a mesma.
Apenas tens dois olhos. Dois ouvidos.
És uma constante que vai evoluindo mas sem efectivamente mudar na essência.
És uma repetição.
És incapaz de te surpreender a ti próprio e isso perturba-te, irrita-te.
E desejas desafiar o futuro a surpreender-te.
Nunca tentaste fazer algo inesperado, algo que baralhe o futuro?
Tentar inverter a normalidade, tentar suspender a marcha do tempo.
Fazer com que cada momento conte por si.
Não é por isso que estás aqui?
Para contornar a previsibilidade, desafiar a rotina, procurar a surpresa?
É verdade que os dias se sucedem, e depois as semanas, os meses, os anos.
Mas o que conta é cada um dos momentos que compõem esses dias.
O que conta é o presente.
O que conta é estar aqui e agora.
Porque o aqui está repleto de possibilidades, de oportunidades, de desafios.
E talvez assim possas surpreender o futuro: não pensando nele.
Não olhando para o presente como se olha pela janela: sempre à espera de algo.
Porque estás aqui?
Por causa do momento.
Porque é aqui que está o teu presente. Em cada momento.
Sincroniza-te com ele.
Sim, tal como sincronizas as músicas no telemóvel.
O resto… O resto é passado, é silêncio, é esquecimento.
Que se lixe o resto.
Porque estás aqui?
Porque sentes o chamamento do presente.
Letra escrita para uma música dos First Breath After Coma, cantada / declamada pelo Carlos Matos (Broto Verbo). O convite foi do Hugo Ferreira (Omnichord Records) e a canção - Chamamento - surge no disco Leiria Calling, distribuído pela revista Blitz em 2014.
(Foto: Teresa Afonso.)
Qual a importância deste momento?
Já reparaste como a vida avança em ciclos?
Dias que se sucedem. E depois semanas, meses, anos.
É como se vivesses no interior de uma rotunda, sempre às voltas.
Porque, no fundo, tudo é circular. Tudo se repete.
E os momentos vão-se dissolvendo uns nos outros, misturando-se.
Como enganar o futuro e torná-lo inesperado?
Como sair da rotunda?
Afinal, o futuro tem pouco de verdadeiramente imprevisível.
Mesmo que os acontecimentos te surpreendam, tu és sempre tu.
A forma como vês e ouves é sempre a mesma.
Apenas tens dois olhos. Dois ouvidos.
És uma constante que vai evoluindo mas sem efectivamente mudar na essência.
És uma repetição.
És incapaz de te surpreender a ti próprio e isso perturba-te, irrita-te.
E desejas desafiar o futuro a surpreender-te.
Nunca tentaste fazer algo inesperado, algo que baralhe o futuro?
Tentar inverter a normalidade, tentar suspender a marcha do tempo.
Fazer com que cada momento conte por si.
Não é por isso que estás aqui?
Para contornar a previsibilidade, desafiar a rotina, procurar a surpresa?
É verdade que os dias se sucedem, e depois as semanas, os meses, os anos.
Mas o que conta é cada um dos momentos que compõem esses dias.
O que conta é o presente.
O que conta é estar aqui e agora.
Porque o aqui está repleto de possibilidades, de oportunidades, de desafios.
E talvez assim possas surpreender o futuro: não pensando nele.
Não olhando para o presente como se olha pela janela: sempre à espera de algo.
Porque estás aqui?
Por causa do momento.
Porque é aqui que está o teu presente. Em cada momento.
Sincroniza-te com ele.
Sim, tal como sincronizas as músicas no telemóvel.
O resto… O resto é passado, é silêncio, é esquecimento.
Que se lixe o resto.
Porque estás aqui?
Porque sentes o chamamento do presente.
Letra escrita para uma música dos First Breath After Coma, cantada / declamada pelo Carlos Matos (Broto Verbo). O convite foi do Hugo Ferreira (Omnichord Records) e a canção - Chamamento - surge no disco Leiria Calling, distribuído pela revista Blitz em 2014.
(Foto: Teresa Afonso.)
Personal Jesus
(I) Lembro-me onde estava no dia 11 de Julho de 1993: Estádio José Alvalade. Ali à frente, a minha banda preferida. Cantei, dancei, pulei, gritei. Acho que chorei. Fui de expresso com uma amiga, comprei uma t-shirt. Também me lembro onde estava no dia 8 de Julho de 2017: Passeio Marítimo de Algés. Ali à frente, a minha banda preferida. Cantei, dancei, pulei, gritei. Sei que não chorei. Fui com a família, não comprei nenhuma t-shirt. Entre os dois momentos, passaram vinte e quatro anos; e apesar da banda preferida ser a mesma, tudo parece infinitamente diferente. Ou tudo parece tão semelhante? Continua a existir uma sensação de pertença e de identificação quando se grita em conjunto com milhares de pessoas desconhecidas frases que são sentidas como slogans pessoais, como revelações íntimas. Continua a fazer sentido, tal como fazia há vinte e quatro anos, partilhar com a multidão anónima confissões e apelos como “Now I'm not looking for absolution, Forgiveness for the things I do, But before you come to any conclusionsTry walking in my shoes.” Uma forma pagã de reza, talvez. A procura de um qualquer Deus: “Your own personal Jesus, Someone to hear your prayers, Someone who's there.” Cada um reza como pode, como sabe, como consegue, como precisa; com o timbre individual do seu desespero.
(II) Desde a adolescência que desconfio que não existe Deus. Confesso que gostava que existisse, dava-me jeito que existisse, por vezes até tenho uma certa inveja de quem está convencido que existe. Mas não consigo acreditar, basta abrir os olhos e olhar em redor: as evidências que comprovam a impossibilidade de existência de um ser superior, perfeito e omnipotente, bondoso, saltam de todos os lados. Haverá quem diga exactamente o oposto, que saltam à vista as evidências que comprovam essa existência. Questão de perspectiva, questão de fé. Ou questão de desespero.
(III) Tenho uma amiga que diz que o destino é um palhaço. Entre nós, concordamos que o destino brinca e provoca, desconcerta, baralha; ou seja, faz palhaçadas; mas em vez de usar balões e esguichos de água e sapatões gigantes, usa as nossas vidas. Fingimos que não mas, no fundo, temos algum medo porque a total arbitrariedade e imprevisibilidade assusta um pouco. Ou muito, talvez assuste mesmo muito. E deve ser por causa desse medo ancestral que procuramos incessantemente um sentido, uma lógica, uma coerência. Procuramos um qualquer “Personal Jesus” que domestique o destino e o obrigue a portar-se bem connosco, que nos permita esquecer que somos apenas uns balõezinhos nas mãos de um palhaço descontrolado; que nos permita esquecer que a qualquer momento podemos rebentar; que nos dê a ilusão de que existe um sentido e um propósito em rebentarmos.
(IV) Talvez não pareça mas esta crónica é sobre o inominável. EN 236-1. E termina como começou, com os Depeche Mode: “I don't want to start any blasphemous rumors but I think that God's Got a sick sense of humor and when I die I expect to find Him laughing.”
(II) Desde a adolescência que desconfio que não existe Deus. Confesso que gostava que existisse, dava-me jeito que existisse, por vezes até tenho uma certa inveja de quem está convencido que existe. Mas não consigo acreditar, basta abrir os olhos e olhar em redor: as evidências que comprovam a impossibilidade de existência de um ser superior, perfeito e omnipotente, bondoso, saltam de todos os lados. Haverá quem diga exactamente o oposto, que saltam à vista as evidências que comprovam essa existência. Questão de perspectiva, questão de fé. Ou questão de desespero.
(III) Tenho uma amiga que diz que o destino é um palhaço. Entre nós, concordamos que o destino brinca e provoca, desconcerta, baralha; ou seja, faz palhaçadas; mas em vez de usar balões e esguichos de água e sapatões gigantes, usa as nossas vidas. Fingimos que não mas, no fundo, temos algum medo porque a total arbitrariedade e imprevisibilidade assusta um pouco. Ou muito, talvez assuste mesmo muito. E deve ser por causa desse medo ancestral que procuramos incessantemente um sentido, uma lógica, uma coerência. Procuramos um qualquer “Personal Jesus” que domestique o destino e o obrigue a portar-se bem connosco, que nos permita esquecer que somos apenas uns balõezinhos nas mãos de um palhaço descontrolado; que nos permita esquecer que a qualquer momento podemos rebentar; que nos dê a ilusão de que existe um sentido e um propósito em rebentarmos.
(IV) Talvez não pareça mas esta crónica é sobre o inominável. EN 236-1. E termina como começou, com os Depeche Mode: “I don't want to start any blasphemous rumors but I think that God's Got a sick sense of humor and when I die I expect to find Him laughing.”
Crónica n.º 55 para o Jornal de Leiria.
Loucura
Novo ebook.
Com fotos de:
Com fotos de:
Ana Luísa de Melo | Andreia Monteiro | Bruno Mourinha | Carla de Sousa | Catarina Mamede | Cláudia Andrade | Cristina Lopes | Elsa Alexandrino | Elsa Margarida Rodrigues | Fátima Abreu Ferreira | Francisco Moreira | Helena Serrador | Inês Sarzedas | Liliana Carvalho | Liliana Gonçalves | Luciana Esteves | Mafalda Malafaya | Maria João Alves | Maria João Dias | Maria João Faísca | Mónia Camacho | Ricardo Graça | Ritabela Santos | Rosa Paixão | Selma Preciosa | Sílvia Bernardino | Sónia Serafim | Sónia Silva | Sonja Valentina | Teresa Bret Afonso | Teresa Marques dos Santos
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