# 52: Um vestido vermelho


Edward Hopper - Room in New York
1.
Continua sentada ao piano, passando os dedos pelas teclas, sem me olhar. Talvez se pergunte por que razão não reagi à sua entrada na sala, à sua escolha de roupa; optou por um vestido vermelho, longo e sem mangas, que há muito tempo não lhe via; talvez já esteja arrependida da escolha, talvez até se sinta ligeiramente desconfortável – é verdade que o seu corpo já não possui a elegância (a elasticidade) de outros tempos; e ela sabe-o, claro que sabe. Seria possível (aceitável) regressar ao quarto e mudar para algo completamente diferente, algo mais convencional – talvez aquele fato preto que comprámos na última viagem, por sugestão minha – mas é provável que não sinta qualquer motivação para o fazer; ou, pelo menos, que não sinta motivação suficiente; que diferença faria, afinal? Quem se importaria?
Toca uma qualquer melodia monótona e indefinida, que aprendeu algures durante a infância e que certamente não conseguirá identificar, reproduzindo-a mecanicamente, sem paixão nem virtuosismo, talvez sem gosto; depois pára, abruptamente; e o silêncio súbito é agradável, tranquilizador. Pensa (imagino eu que pense) na última vez em que usou o vestido vermelho – aquele baile de gala, quando o pai dela se reformou; lembro-me de repente, não sei como nem porquê; mas lembro-me: tão bem; e consigo, durante um fugaz momento, evocar a serenidade do seu rosto feliz, o cheiro do seu cabelo; a sua mão, pousada na minha. Recordará: tentando contabilizar quantos anos passaram. Quatro, suponho; ou cinco? Não: quatro. E (perguntará a si própria, distraidamente) o que mudou em todo este tempo, para que serviu – para que serve – a lenta passagem dos dias, dos meses, dos anos?
Respira fundo – o ar fresco entra no seu corpo com suavidade, o peito sobe com elegância – e volta a dedilhar as teclas do piano, sem intenção nem vontade. Pouco mudou, quase nada; ou tudo mudou. Haverá (pergunta-se ela; pergunto-me eu) realmente mudança ou apenas uma sugestão – um desejo (persistente e ingénuo, utópico) – de mudança?

2.
Viro a página do jornal, atento aos ruídos da rua, à aproximação de passos – a que horas chegará ele, afinal? Durante um breve instante apetece-me quebrar o silêncio e falar, talvez dizer algo que nos aproxime um pouco, momentaneamente; mais: provocar-lhe um sorriso – tão ambicioso que me sinto hoje –, mesmo que breve e quase (quase) imperceptível, mesmo que secreto (ou até inexistente: desde que o consiga imaginar); contudo, não me movo, suspeito que durante uns instantes nem me atrevi a respirar (temendo o quê?). Mas para que serviria, afinal, o sorriso? Que faria ela com ele? E depois, que viria depois do sorriso? Aperto o jornal nos dedos, com desnecessária violência, enquanto uma inesperada interrogação me percorre a mente, provocatória e insidiosa: para que servem os sorrisos? Viro mais uma página do jornal, devagarinho. A gravata aperta-me. Sinto fome. E pressa: de que este momento passe e venha outro.
Ela volta a insistir com o piano, repetindo a melodia de há pouco (e de repente, sem motivo nenhum – absolutamente nenhum –, a escolha do vestido vermelho parece-me acertada; excitante). Na verdade, não faço ideia do que estará a pensar (alguma vez fiz?), do que estará a sentir. Distraio-me com o cheiro do seu perfume, que me parece um pouco agressivo, pergunto-me se lho terei oferecido; talvez. Volto a concentrar-me no jornal, diligentemente: um político que se suicidou, não se sabe porquê; leio umas linhas, olho a fotografia de um homem sorridente (sim: para que servem os sorrisos?). Continuo a ler; volto a olhar a fotografia do político – penteado impecável, invejo-o. O que me apetecia realmente era ir dormir; aconchegar-me a mim próprio, fechar os olhos; e adormecer, sem me preocupar se ressonarei demasiado ou não. Sozinho? Sim, penso que sim: adormecer sozinho.
Mas arrependo-me do pensamento (arrependo-me? Não; envergonho-me, apenas.); e quase ergo a cabeça, para a olhar. Poderia – fantasio, sem convicção; sabendo que não o farei – esticar a mão e tocar-lhe o braço nu, sentir a sua pele na ponta dos dedos (outra vez, mais uma vez), talvez sentir o arrepio do seu corpo (mas: e depois?). Mais uma pergunta repentina e inesperada, desconfortável, flutuando-me pela mente: para que servem, afinal, as carícias? Fecho os olhos durante um instante, aborrecido com a monotonia dos meus pensamentos; depois, abro-os: e nada mudou.

3.
Inesperadamente, ela fala (e o som repentino da sua voz parece-me belo); pergunta, sem me olhar: lembras-te que, uma vez, fizemos amor contra este piano, de pé? Ergo a cabeça, muito devagarinho, sem a olhar, um pouco curioso, um pouco assustado. E ela prossegue, melancólica (sim, tão bela que me soa a sua voz): numa noite de Verão, quando regressámos de uma festa qualquer, lembras-te? Foi assim um bocado à bruta e acabaste muito depressa, mas foi tão bom. Mesmo bom. E depois rimos muito alto, juntos. E fomos para a cama, continuámos a fazer amor, mais devagar, menos sôfregos. Lembras-te?
Não, não me lembro.

Galeria # 02



Alberto Sughi - Due donne, Notturno

As duas mulheres têm um olhar estranhamente fixo e vazio, distante; não se movem, como se temessem captar a atenção de alguém, ou como se receassem revelar que, afinal, estão vivas. Mantêm-se alheadas, indiferentes ao ruído do bar, às gargalhadas, à nuvem de fumo que talvez as sufoque ligeiramente.
E a noite avança, vagarosa. Uma delas puxa o vestido, ajeitando o decote; a outra olha a sua companheira sem curiosidade nem interesse, cruza os braços em cima da mesa. Passam dois homens, ambos carecas, rindo alto; eles não as olham, elas também não. Há outras mulheres, noutras mesas: também à espera, ajustando os seus vestidos; e homens: quase sempre rindo alto, talvez rindo com tristeza; quem sabe o verdadeiramente significado de um riso, afinal? Um ruído confuso e caótico, difuso, quase ensurdecedor: a envolver tudo, todos. Unindo.
Inesperadamente, uma das mulheres suspira baixinho, quase com vergonha. A outra diz, num tom cansado e absorto: é esse o barulho que a alma faz, quando se lamenta; e durante um breve instante, parece que vai sorrir; mas não o faz.
Muito tempo depois, uma das mulheres puxa o vestido e ajeita o decote.

Galeria # 01



Alberto Sughi - La famiglia, l'amore


Retiras a mão do meu sexo e ergues-te um pouco, para me olhares bem enquanto dispo a camisola do pijama; estamos, agora, completamente nus, as nossas pernas a tocarem-se; mas não te apressas, afinal nem espreitaste os meus seios nus. Olhas-me nos olhos, como eu te olho nos olhos: e assim permaneceremos por muito tempo. Depois, deixar-te-ás cair sobre mim, com suavidade; o teu sexo encontrará o seu caminho, a tua língua também. Fecharei os olhos, então: finalmente; perguntar-me-ei, talvez, se também fechaste os teus.
Mas, no quarto do lado, o menino começa a ressonar suavemente; esqueceste-te de fechar a porta outra vez.

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LANÇAMENTO DO CONTOS DE ALGIBEIRA no dia 6 DE DEZEMBRO, 21h30min, NO FRÁGIL, em LISBOA.

Esboço # 15 (Extended vocal remix)

MULHER: Tenho uma amiga que diz que se sente como uma empregada de pensão. O marido chega a casa, dá-lhe um beijo na face e depois fica por ali, sem saber bem o que fazer. É capaz de espreitar o frigorífico ou pegar numa banana e ficar a comê-la enquanto olha pela janela. Mas nada mais. Estão ali, juntos, só há uns vinte segundos e o silêncio já se tornou agressivo; e ela, para aliviar o ambiente, para espevitar o silêncio, pergunta-lhe que tal foi o dia, como correu isto ou aquilo. Na verdade, confessou-me ela, não está especialmente interessada em saber; e claro que ele não está muito motivado para contar. Mas lá vai dizendo qualquer coisa, sem nem sequer disfarçar o enfado com que o faz. Frases curtas, monossílabos, nada de muito elaborado. E ela de volta dos tomates ou do peixe, sem grande vontade de estar ali na cozinha, que é onde está quase sempre, mas também sem nenhuma vontade especial de estar noutro sítio qualquer. (Pausa breve. Leva a chávena de chá à boca.) E depois, regressa o silêncio. Diz que ele não faz esforço nenhum e ela também se cansa depressa. Os dois parados, distraídos com o objecto que calhem ter na mão. Então, finalmente, ele lá desaparece. Enfia-se no escritório e liga o computador. Da cozinha, ela ouve o zunido enquanto vai descascando batatas. Diz que já não tem nenhuma curiosidade de saber que faz ele ao computador, como se distrai, como gasta o seu tempo. (Pausa breve.) Ela lá continua a cozinhar, sem vontade mas também sem desagrado, a sentir-se como uma empregada do marido. Põe a mesa, espreita a televisão. Depois chama-o. Comem em silêncio, a ouvir o noticiário. Diz que nunca comentam as notícias, ouvem e pronto. Ele come depressa, com sofreguidão. A minha amiga achava que era com gosto mas depois percebeu que era só avidez; e diz que o marido nunca lhe elogiou os cozinhados. Come, se gosta; deixa, se não lhe apetece. Comentários, nada. (Pausa breve.) Ficam para ali, calados. Depois, dá o intervalo do noticiário e ele levanta-se. E ela, a empregada da pensão, lá fica a arrumar; ouve a segunda parte do noticiário, que é quando dão as notícias menos idiotas, desliga a televisão. Limpa o fogão, liga a máquina da louça. Às vezes liga a máquina da roupa, em simultâneo. E fica a fumar na varanda, a olhar para os carros que passam. Diz que se pergunta algumas vezes se algum daqueles carros pararia para lhe dar boleia. (Pausa breve.) Pensa em mudar de vida, às vezes. Fugir. Mas fugir para onde? (Pausa breve.) E que fazer, quando chegar lá?
(Todos se empenham em não olhar para ninguém, em evitar o olhar de alguém.)
MULHER: Um dia, perguntou-me se comigo era parecido. (Pausa breve.) Desatei a rir. (Sorri. Bebe mais um gole de chá.)
(O MARIDO agita-se quase imperceptivelmente mas com visível desconforto.)
MULHER (após um momento de silêncio): Diz ela que o que lhe custa mais é que o marido já nem se esforce em fingir interesse. As pessoas pensam que surpreenderem alguém a fingir é uma desgraça, uma falta de respeito, um motivo para choros e separações; mas ela não concorda. Acha que a partir de certa altura a existência de fingimento é uma espécie de revelação de empenho, de preocupação pelos sentimentos do outro. (Pausa breve.) Claro que surge sempre aquele momento em que já não há surpresa, em que as pequenas rotinas se vão repetindo rotineiramente, em que a previsibilidade se torna algo quase confortável. Mas se alguém se der ao trabalhar de fingir que poderá não ser sempre assim, ou até de fingir que mesmo que seja assim para sempre não faz mal, bom, diz ela, é porque merecemos o esforço; e que bem que isso saberia, que novidade seria. (Pausa breve.) Até porque a alternativa é continuar como empregada de pensão para sempre.
MARIDO (dirigindo-se à MULHER, num tom quase rude): E porque achas que a tua amiga merece mais que isso?
(A MULHER olha o MARIDO, pela primeira vez. Sorri, muito levemente. Depois afasta o olhar, ignorando-o.)
MULHER (dirigindo-se ao AMIGO): Sabes onde estávamos, quando ela me contou estas coisas?
(O AMIGO abana a cabeça, sem olhar a MULHER.)
MULHER: Na cozinha. (Ri.)
(O AMIGO sorri, desconfortável.)
MULHER: Ela ia falando e eu acenava com a cabeça. Descascava umas cebolas e assim, para uma sopa. E ela falava e falava e falava.
AMIGO: Precisava de atenção, de uma audiência.
MULHER: E não precisamos todos? (Pausa breve.) Deixei-a falar, até se cansar. Tentando perceber, tentando identificar-me com o que ouvia; ou evitando identificar-me, não sei. Como alguém que vai ao teatro e está ali na sombra, a escutar, assimilando. (Pausa breve.) E depois, sabes o que fizemos?
(Toca um telemóvel; o AMIGO retira-o do bolso e fica a olhar para ele, sem contrariedade nem excitação; esperando, simplesmente. A MULHER olha-o com curiosidade, o MARIDO também; depois acende um novo cigarro e olha a nuvem de fumo a subir. O telemóvel cessa de tocar mas o AMIGO continua a olhá-lo durante uns segundos; depois arruma-o no bolso.)
MULHER (dirigindo-se ao AMIGO): Vimos televisão. (Breve pausa.) Em silêncio.
AMIGO (com alguma timidez): Não tinham nada para dizer.
MULHER: Não tínhamos nada novo para dizer.
AMIGO: Por vezes, sentimos uma vontade de falar violenta; não é? Precisamos de nos ouvir falar, para confirmar que estamos vivos, que existimos, que ocupamos um espaço e um tempo, que fazemos alguma espécie de diferença. (Pausa breve.) Mas noutras alturas optamos pelo silêncio, porque preferimos esquecer que existimos. Preferimos esquecer o que somos.
MULHER: Estás a querer dizer que o problema é não conseguirmos gostar de nós próprios? Apreciar o que somos?
AMIGO (enfrentando o olhar da MULHER): Se calhar o que quero dizer é que todos temos uma necessidade um pouco mórbida de nos sentirmos especiais e únicos. (Pausa breve.) E depois há alturas da nossa vida, muitas alturas, em que ninguém está particularmente interessado em nos mostrar essa especialidade, ou pior: em que ninguém a vê, a sente. E, um pouco para nos defendermos, deixamos de procurar pessoas que nos mostrem o quanto somos especiais, preocupando-nos apenas em evitar pessoas que nos lembrem o quanto não somos especiais.
(O MARIDO ri com algum desdém, sem erguer o olhar. A MULHER bebe um gole do seu chá.)
AMIGO (com falso entusiasmo): Transformamos os outros em espelhos, é o que é. Olhamos alguém com esperança que esse alguém reflicta aquilo que acreditamos ter de melhor; mas se o que o outro reflecte é menos agradável, a culpa só pode ser do espelho. (Sorri, com algum desconforto.) Acreditamos, ou queremos acreditar, ou fingimos acreditar, que a nossa imagem nunca é má, não pode ser má; quem a reflecte é que a distorce.
(Ninguém se olha. Silêncio longo e opressivo.)
MULHER (em tom meditativo): E por isso receamos, tantas vezes, olhar os outros: com medo de nos encontrarmos a nós próprios. (Pausa breve.) E de não gostarmos do que encontramos.
AMIGO (quase triste, cabisbaixo): Não olhamos para não nos encontrarmos. E não gostamos de ser olhados, para que ninguém nos culpe pelo que possa encontrar.
MARIDO (com alguma indiferença): Então, quem tem sorte são os cegos. Não é?
(A MULHER e o AMIGO olham o MARIDO, com algum desagrado, um pouco surpreendidos. Pouco depois, e quase em simultâneo, começam a rir.)

Esboço # 16

– E depois?
– Uma noite estávamos no carro, de regresso de um sítio qualquer, de um restaurante ou assim, nada de especial: os dois calados, com pressa de chegar a casa, com vontade de dormir, de encerrar o dia e esperar pelo próximo. Íamos em silêncio, talvez um pouco distantes, cada um a pensar nas suas banalidades secretas e mesquinhas e irrelevantes; eu a conduzir, ela a olhar pela janela; carros a ultrapassarem-nos, camiões muito iluminados por todo o lado, semáforos intermitentes; o cheiro do perfume dela ainda muito intenso, quase desagradável. Não estávamos chateados ou amuados ou indispostos: apenas sem vontade de partilhar fosse o que fosse, de falar ou ser ouvidos, de pensar alto, de verbalizar sentimentos, estados de espírito, sensações insignificantes.
– Mas confortáveis.
– Sim, bastante. E como o rádio estava ligado, baixinho mas perceptível, havia música a preencher o espaço entre nós. Percebes? A acompanhar-nos. De certo modo, a unir-nos e a alienar-nos, em simultâneo.
– Isso acontece com toda a gente. Há sempre alguém que liga o rádio; que tenta desligar o silêncio.
– Então, íamos ali atrás de um camião vagaroso, no rádio uma música um bocado irritante mas que ela ia a assobiar, baixinho. Pressa de chegar, de estar noutro lado. E dei por mim a pensar num pormenor em que já reparara antes, noutras noites silenciosas, mas a que nunca dera grande importância.
– Qual?
– Sempre que entrávamos no carro, a primeira coisa que ela fazia, depois de apertar o cinto, era ligar o rádio. Sempre. Mesmo que estivéssemos a conversar ou a rir ou chateados ou com dor de cabeça. E de repente, percebi porquê. Percebi, simplesmente: sem que estivesse à procura de um explicação, sem sequer suspeitar que havia uma explicação, uma necessidade de explicação. Percebi.
– Porque se sentia desconfortável. E precisava de preencher o silêncio.
– Sim. Enchê-lo. Disfarçá-lo.
– Desligá-lo.
– Isso: desligar a intimidade. A proximidade.
– E como te sentiste, perante essa descoberta? Perceberes que a tua mulher não tinha nada para te dizer, não se sentia confortável na tua presença: ao ponto de precisar de preencher o silêncio com música, com vozes estranhas, com o barulho da publicidade. O que sentiste?
– Fiquei magoado, claro; senti-me enganado e despeitado, atraiçoado. Mas havia outro sentimento que se sobrepunha ao ressentimento, suplantando a dor. Que prevalecia.
– Alívio. Porque sentias o mesmo: também não tinhas nada para lhe dizer, e incomodava-te a obrigação de partilhar com ela o vazio, de assumir o silêncio; de enfrentar o fracasso evidente da vossa relação. Alívio por perceberes que a culpa não era apenas tua.
– Sim: divisão da culpa. Percebi, naquela noite escura, enquanto olhava para a traseira do camião vagaroso e aquele assobio alienado, indisposto com o perfume dela, que o problema não era apenas meu; que, afinal, sentíamos o mesmo, apesar de não sermos capazes de falar sobre isso. De não querermos falar sobre isso.
– E o rádio proporcionava-vos um adiamento. Podiam fingir que estavam concentrados na música, a partilhar um gosto comum, uma cumplicidade; confortáveis. Até podiam fingir acreditar que, de certa forma, havia ali uma intimidade agradável, um salutar à-vontade com a presença do outro, com o silêncio do outro.
– Quando o que acontecia, na realidade, é que tentávamos esquecer a presença do outro.
– Tentavam. E conseguiam?
(Mas ela entrou na sala, nesse momento. E eles ficaram a olhá-la, em silêncio.)

Esboço # 15

Chegas com o rosto cansado e abatido; beijas-me a face, mesmo junto aos lábios, por vezes sorris. Ficas uns segundos a olhar para mim, como se não soubesses que fazer; depois lamentas-te de qualquer coisa, sem grande convicção; não perguntas como foi o meu dia mas escutas-me, sem me olhares, enquanto vou falando. Inevitavelmente, canso-me do monólogo: de me ouvir, também de te importunar; e calo-me; o silêncio envolve-nos, agressivo.
Então, afastas-te com passos lentos e arrastados; espreitas o quarto do miúdo, vais à casa de banho. Por fim, sentas-te em frente do computador: e desapareces.
Continuo a preparar o jantar, temperando alface ou desfiando bacalhau, provando o arroz. Há alturas em que me pergunto quando terei deixado de ser tua mulher, aceitando resignadamente este papel de empregada de pensão que me atribuíste; mas, confesso, é raro: prefiro espreitar a televisão, distrair-me. E adiar só mais um dia a pergunta, a decisão: até quando?

Esboço # 14

Sim, suponho que terá havido outros sinais, antes; ténues revelações, ou mesmo inconscientes declarações de intenções futuras; talvez. Contudo, é apenas agora, neste preciso momento em que, rotineiramente, te aproximas para me beijar, que percebo. Há algo no teu olhar, um brilho diferente, fulgurante e desafiador, um brilho autêntico e ostensivo que te denuncia: estás apaixonada.
E, no mesmo instante, enquanto te vejo fechar os olhos suavemente, enquanto sinto o breve toque dos teus lábios, aceito a irremediável verdade: sim, estás apaixonada. Um segundo depois, quando já afastas o teu rosto, olhos ainda fechados, já tão distante, não resisto a perguntar-me: por quem?
Mas, na verdade, acho que nem quero saber.

Esboço # 13

Sento-me no sofá e fecho os olhos; respiro devagar, esperando que o corpo se recomponha, acalme; aguardando esse momento mágico em que deixarei de o sentir. Na mente, a repetição lentíssima do funeral, momento após momento; e a recordação do sofrimento que senti, apenas há alguns minutos: intensificando-se.
Abro os olhos. À minha frente, as tuas estantes de livros; centenas e centenas de volumes: o teu orgulho. Sorrio, melancólico: recordando-te na tua poltrona, com um qualquer destes livros nas mãos; e o teu olhar: tão feliz.
Volto a fechar os olhos, de súbito invadido pela tristeza, pela dor; pela revolta, também. E pergunto-me: para quê tanta leitura? Que diferença fez? Pergunto-te, apenas agora, demasiado tarde: Oh pai, não teria sido tão bom se o tempo que gastaste a ler todos estes livros tivesse sido passado comigo?

Esboço # 12

Quando te sentaste ao meu lado, senti o toque acidental do teu braço. Fiquei rígido, talvez um pouquinho ansioso: claro que não há nada mais excitante que um corpo desconhecido; o toque, a possibilidade, a descoberta. E permaneci imóvel, saboreando a tua presença.
O autocarro a avançar, lento; pessoas alheadas e indiferentes. Lá fora: a cidade a deslizar, longínqua. E de repente: começas a chorar; em silêncio, secretamente. Devagar, tão devagar.
Não sei porque o faço: mas estendo a mão e procuro-te.
Mais tarde: largas-me os dedos; depois, levantas-te. Sais: e a cidade continua a deslizar, desinteressada. Levando-te.
Não chegaste a olhar-me.

Esboço # 11

Penumbra e silêncio, o mundo tão distante, indiferente: e uma nova mulher no seu quarto. Estendia a mão, devagar, e tocava: sentindo na ponta dos seus dedos a pele dela.
Depois, despia-a. Devagar, peça a peça; estudava cada pormenor do corpo, com ansiedade e deleite: como se fosse o primeira mulher que via nua perante si. Por vezes acariciava-a, com timidez, quase com reverência; ou aproximava o rosto e observava, atento. Beijava, também: a coxa, o mamilo, o umbigo; mas sem sofreguidão nem impaciência.
Mas quando conhecia detalhadamente o corpo nu e a volúpia da revelação se dissipava, afastava-se delicadamente. Para ele, bastava. O prazer estava, todo, na descoberta de um novo corpo; fodê-lo aborrecê-lo-ia imenso.

Esboço # 10

Foi logo no primeiro dia de férias que, passando os olhos pelas velhas estantes, decidi reler alguns dos livros da minha juventude. Livros de outras férias: amarelecidos e com manchas, cobertos de pó; intocados há tanto tanto tempo.
Fui lendo, dia após dia, livro após livro. Evocando memórias e sensações, revivendo os longínquos dias em que aquelas mesmas linhas me insuflavam de ânimo e sonho, de esperança; de ilusão. Mas agora: apenas nostalgia; e a certeza, chocante, de que o tempo não volta atrás, não pára, não chega.
Os livros de volta às estantes, desordenados. E o Verão: perdido. Gasto.

Esboço # 09

Entro no escritório e digo bom dia; alguém responde, num murmúrio contrariado. Rostos fechados, cabeças cabisbaixas; o silvo dos computadores misturado com os gemidos das cadeiras, com o sussurro das respirações. Ligo o computador e aguardo, sem pressa: mais uma vez, a sensação de que precisa de mais tempo para arrancar, que demora.
No outro dia, senti algo semelhante em relação ao elevador: mais vagaroso, como se estivesse cansado; e também o autoclismo: tanto tempo para encher. Tudo mais demorado; ou serei eu: mais lento em relação à vida? Ou mais impaciente em relação ao mundo?
Com pressa: de quê?

Esboço # 08

Senti algum alívio quando percebi que começavas a desinteressar-te por fazer amor comigo. Já não te aproximavas, não me tocavas, não me beijavas; permanecias no teu canto da cama, imóvel e rígido, respirando devagar; depois: adormecias. E eu ficava um pouco triste; só um pouco, quase nada.
Quando o corpo começou a exigi-lo, experimentei satisfazer-me sozinha. Pensava em ti, fantasiava o teu desempenho; e tocava-me. Na verdade, não te recordava: reinventava-te. De certo modo, continuava a fazer amor contigo; mas de uma forma mais confortável e livre; sim: mais satisfatória.

Esboço # 07

Havia uma actriz que todos elogiavam pela excelência dos seus desempenhos; mas ela estranhava: porque o que louvavam era, afinal, a sua capacidade de fingir, mentir, iludir: de não ser ela própria.
Sim, percebera há muito que a sua vida era um extenso catálogo de fingimentos: para cada circunstância escolhia a personagem adequada e encarnava-a. Actriz a tempo inteiro, na verdade.
Até que, certo dia, apaixonou-se. E disse-lhe: amo-te tanto. Ele encolheu os ombros, indiferente: como poderia adivinhar que ela efectivamente (e talvez pela primeira vez) sentia o que dizia?

Esboço # 06

Estava um pouco assustada, quase apreensiva; havia, também, uma ponta de remorso, a consciência a incomodar. Mas quando, finalmente, entrou no elevador do hotel, sentiu, mais que tudo, excitação.
No quarto, deixou que o seu amante a despisse lentamente, embalado pelo entusiasmo da descoberta de um novo corpo. Depois, fizeram sexo demoradamente, concretizando semanas de fantasias.
Quando terminaram, ele caminha pelo quarto; liga a televisão; pega no telemóvel e fala com alguém do banco. E ela, decepcionada, pensa: se quisesse apenas foder, ficava em casa. Depois, di-lo.

Esboço # 05

Estão num bar, rodeados por fumo e gargalhadas estridentes. Olham-se por acaso e estudam-se mutuamente. Um deles levanta-se, caminha até ao outro. Sorrisos, bebidas partilhadas. O primeiro toque. E o olhar: convidando, aceitando.
Entram no hotel em silêncio, um pouco apressados, tentando dissimular a ânsia. Beijam-se; despem-se; fodem.
Depois: deitados, ainda um pouquinho ofegantes; confortáveis, quase saciados. E alguém pede, num murmúrio: diz que me amas; o outro corresponde, sem embaraço: amo-te. E adormecem, talvez felizes.
Não chegaram a dizer os respectivos nomes.

Esboço # 04

Ouço-os em redor do meu caixão, falando baixinho. Lamentam-se, dizem que é injusto, tão injusto. Ficam calados durante uns instantes, talvez olhando para o chão, talvez perguntando-se que horas serão; e depois repetem: tão injusto.
Alguém diz, pesaroso: teve uma vida simples e monótona, tão altruísta. Ninguém responde: e o silêncio incomodando. Novo lamento: uma vida de sacrifício, para que fossemos felizes. Depois, uma confissão inesperada, quase inaudível: tanto que a amávamos.
E eu no meu caixão, quietinha. Um pouco surpreendida: amavam-me? E só agora é que mo dizem?

Esboço # 03

Dizia ela: apaixonei-me pelo teu sorriso. E eu deslizava a mão pela sua pele, acariciando; em silêncio. Cheiro de sexo, penumbra. E ela a dizer, baixinho: só pensava em ti, no teu sorriso. O seu mamilo, ainda rígido, esmagado contra o meu peito; quase, quase desconfortável. Respirações lentas, preguiçosas. E a sua voz, insistente: o teu sorriso excitava-me tanto. Uma dor nas costas; aborrecimento: já? Ela, repetindo-se: nas imaginas quanto me excitava.
E eu com vontade de perguntar: mas que intimidade se pode ter com um sorriso? E acrescentar: como se faz amor com um sorriso?

Esboço # 02

Caminhava pela rua e, por vezes, espiava os homens que passavam; olhava, dissimuladamente: e imaginava como seria fazer sexo com alguns deles. Uma distracção inócua e inconsequente, talvez apenas uma forma infantil de me conhecer, de me testar. Perguntava-me, quase excitada: como seria? Depois, esquecia.
Fantasiava, portanto. Mas um dia, enquanto desço uma rua movimentada, ocorre-me: afinal, quantos destes homens que observo também me observarão? Quantos espreitarão o meu decote e imaginarão o sabor do meu mamilo? Quantos quase se excitarão comigo?
Nenhum?

Esboço # 01

O elevador pára e entras. Vejo um fulgor de contrariedade no teu rosto, logo depois um sorriso esforçado. Vivemos no mesmo prédio há meses e nunca nos tínhamos cruzado; mas há uma convivência algo mórbida a unir-nos: apenas um andar divide as nossas vidas, insuficiente para impedir vozes, risos, gritos, gemidos de chegarem ao outro lado. Desconhecidos: e íntimos.
Desconforto. Olhares rígidos. Embaraço. Silêncio. E o elevador: tão lento. Claro que não falamos: que poderíamos dizer? Mas há uma dúvida que me angustia: e se te tocasse? Que aconteceria, se cedesse a essa tentação?

# 51: Unidos na separação

1.
Pouso o livro em cima da cama, mesmo junto da tua mão, e fecho os olhos durante um instante. Escuto o silvo da tua respiração, que continua hesitante, contrariada, arrastando-se sem vontade nem objectivo; como a minha. Estou cansada, uma vaga dor de cabeça corrói-me o confortável estado de indiferença e apatia que tem marcado estes dias, forçando-me a um indesejável estado de vigilância, de consciência, de aceitação, recordando-me que tenho de permanecer viva, agir e pensar, sentir.
Abro os olhos, tentando não denunciar a esperança nem a ansiedade que não consigo deixar de acalentar; tentando não sentir, incapaz de não sentir. E procuro-te: mas claro que não te moveste um centímetro, que nada mudou. Continuas a morrer, devagarinho.
Apenas mais uns segundos que passaram: para nada.
Pego no livro e recomeço a leitura, em voz quase murmurada, sem expressão nem vivacidade, apenas pronunciado as palavras, sem as perceber, sem as saborear, sem as sentir. Gastando-as.

2.
Lembras-te?
Sentavas-te junto de mim, recostando-te nas almofadas; aconchegava-me ao teu corpo, segurava o livro contigo; e esperava. Ruído da televisão, distante; um carro que passava mesmo por baixo da janela; um cão a ladrar; a máquina de lavar roupa a estremecer, na cozinha; a mãe na casa de banho, a água a correr. Então, começavas a ler uma das minhas estórias de princesas: e eu escutava, com atenção. Por vezes, ria; interrompia, para perguntar qual o significado de uma palavra – e tu explicavas, quase sempre com paciência; ou pegava a tua mão, quando me assustava. Ias lendo e eu suponho que passava o tempo a perguntar-me quando conseguiria ler as minhas estórias, quanto tempo faltaria para conhecer as letras e perceber os seus segredos, se alguma vez conseguiria ler tão bem como tu.
Escutava-te, sentindo-me tranquila. Muitas das estórias já as conhecia bem, talvez até me aborrecessem um pouco. O que me agradava, afinal, era simplesmente ouvir-te, sentir a tua presença, saborear a tua atenção.
Depois, levantavas-te e arrumavas o livro; puxavas os cobertores, aconchegavas-me; davas-me um beijo na testa, acariciavas-me o cabelo; dizias: vou vestir o pijama, já venho.
E eu ficava à tua espera. Ruído da televisão, distante; um carro que passava mesmo por baixo da janela; um cão a ladrar; a máquina de lavar roupa a estremecer, na cozinha; a mãe na casa de banho, a água a correr. E voltavas sempre; claro que eu já tinha adormecido mas o importante é que voltavas sempre, noite após noite.

3.
A enfermeira entra e olha para os monitores, faz uns ajustes inconsequentes aqui e ali, suponho que apenas para justificar a sua presença. Abre um pouco da janela, numa tentativa impotente de tornar a noite menos sufocante, de dissipar um pouco o calor. Vejo algumas gotas de suor, minúsculas e tão, tão inestéticas, na sua testa, e também no lábio superior; os cabelos estão um pouco desgrenhados, dando-lhe um ar algo selvagem, pouco profissional: e ainda seis horas pela frente, até acabar o seu turno. Não deve vestir nada por baixo da bata, as saliências provocadas pelos mamilos são obscenamente identificáveis sob o tecido. E tem um relógio no pulso direito, lindíssimo; a marca de um anel, identificando-a como casada, talvez feliz. Passa por mim sem me olhar, uma vez mais; a sua indiferença agride-me um pouco, surpreende-me a sua postura ofensiva. Ou será apenas desinteresse?
Uma filha que lê, em voz alta e monótona, ao seu pai moribundo. Patético, certamente. Mas tão difícil, talvez impossível, que é ser não patético.

4.
Lembras-te?
Fizemos um calendário, juntos. Desenhámos os dias, as semanas, os meses. Disseste: quando chegar este dia, já consegues ler. E eu acreditei.
Contava os quadradinhos, que eram muitos. Por vezes, escolhia um livro, pensava: este vai ser o primeiro que vou ler. E depois, mudava de ideias.
Mas duas semanas mais tarde (acho que foram duas semanas), perdi o calendário.

5.
De repente, reparo que o que estou a ler me parece vagamente familiar; e no instante seguinte, percebo que me estou a repetir, que estou há não sei quanto tempo a ler a mesma página. Interrompo a leitura, assustada. E um medo inesperado trespassa-me, vertiginosamente: e se a minha leitura, a minha presença, está, simplesmente, a aborrecer-te, a incomodar-te, a importunar-te?
Começo a chorar, histericamente. Olho em volta, sentindo-me perdida e desamparada, abandonada e esquecida pelo mundo, impotente. As perguntas de sempre, repetindo-se: que fazer?, para onde fugir?, como suportar? Rodeada pelo silêncio lúgubre do hospital, sozinha; e tu, imóvel: para sempre. Sinto-me, não consigo deixar de me sentir, a criança indefesa e assustada que – possivelmente – nunca deixei de ser; e pergunto-me, apenas por hábito, sabendo que não obterei resposta: quem me protegerá, agora?

6.
Lembras-te?
Depois, um dia, aprendi a ler. Continuavas a sentar-te junto de mim, recostando-te nas almofadas; aconchegava-me ao teu corpo, segurava o livro contigo; mas agora eras tu que esperavas. E eu lia, devagar mas com confiança, certa de que tu sabias que o aprendera a fazer apenas para te impressionar, para te agradar. Lia: sabendo que enquanto o fizesse jamais ficaria sozinha.
Por vezes, adormecias. Interrompia a leitura durante um bocadinho, talvez sorrisse; e depois, continuava a ler, feliz e orgulhosa, tranquila. Sentindo-me acompanhada.

7.
A enfermeira pega-me pelos ombros, com uma gentileza firme e profissional que me surpreende, que agradeço. Caminhamos para fora do quarto, lentamente, em silêncio; ainda choro, apoiada no seu corpo, manchando a sua bata com as minhas lágrimas. Conduz-me até uma sala de espera deserta, excessivamente iluminada: e ficamos ali paradas durante uns segundos, sem saber o que fazer, sem objectivo nem destino, talvez à espera que o choro cesse, ou a manhã chegue, ou o mundo acabe. Ainda penso, por um instante, que me vai abraçar, confortar-me com a solidariedade do seu corpo, da sua proximidade, da sua disponibilidade, apertar-me contra o seu peito; mas não o faz, claro que não o faz.
Ouço os seus passos no corredor, afastando-se. Gostava tanto que se sentasse junto de mim; talvez até pudesse pegar-me a mão; e sorrir, só uma vez, seria suficiente. E eu, então, falaria baixinho, só para ela – ou talvez só para mim. Confessaria que me custa perder o meu pai, perder-te, porque ficarei inapelavelmente mais sozinha no mundo, que a tua morte me custa (apenas?) pelo que significa e representa para mim. Confessaria, com alívio, isto: o que me custa verdadeiramente não é a tua morte mas as suas consequências na minha vida. Partilharia com ela, uma desconhecida, este meu profundo e abjecto egoísmo e, por um instante, sentiria a sua compreensão ou, pelo menos, a sua solidariedade. Apertar-me-ia a mão, em silêncio, recordando-me que há sempre, algures no mundo, uma possibilidade de companhia, de não- solidão; talvez falássemos sobre o seu relógio, muito tempo depois; ou de outra banalidade qualquer. A noite a avançar, lenta; o calor sufocando-nos. Momentaneamente unidas.

8.
Lembras-te?
Houve um dia em que não me apeteceu ler alto, não me apeteceu ler para ti. Não sei porquê, ou talvez simplesmente pelo mais cruel dos motivos: por nada. Tu percebeste: e deixaste de vir.
Quase tudo como antes: ruído da televisão, distante; um carro que passava mesmo por baixo da janela; um cão a ladrar; a máquina de lavar roupa a estremecer, na cozinha; a mãe na casa de banho, a água a correr. Eu a ler baixinho, só para mim; e tu, do outro lado do mundo, no teu quarto, a ler baixinho, só para ti. Unidos na separação.

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Paulo Kellerman apresenta “Breves notas sobre medo” (Relógio d’ Água), de Gonçalo M. Tavares.
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