A estória da Kiara

A Kiara é uma criança com cancro que está internada no Hospital Pediátrico de Coimbra. Há duas coisas especialmente marcantes quando se entra no seu quarto: está num processo muito avançado de perda de cabelo; tem uma gargalhada alegre, contagiosa, constante.
Saltou na cama quando lhe perguntei se gostava que escrevesse uma estória.
Esta é a estória da Kiara.

Pré-história de um livro




AVIÕES DE PAPEL | Minimalista, 2020
Capas alternativas. Estudos.
Trabalho gráfico de Licínio Florêncio

Baci Sospesi Leiria

V

Gostava de caminhar pelos passeios repletos de gente e tocar em pessoas desconhecidas.
Seguindo um instinto indefinido, uma completa e absoluta falta de lógica ou racionalidade: tocava alguém e sorria-lhe; depois, seguia o seu caminho. A maioria das pessoas retraía-se, como se acabasse de sofrer uma agressão; outras reagiam de modo quase violento; algumas sorriam; pouquíssimas tocavam de volta, sorriam de volta.
Se alguém lhe perguntasse o que estava a fazer (e as poucas pessoas que perguntavam faziam-no de modo agressivo, sem qualquer interesse em escutar a resposta), poderia explicar que ao tocar os outros procurava conectar-se com a humanidade existente em cada um, tecendo uma linha de toques como alguém desenha um mapa dos sítios por onde passou, onde permaneceu, onde sentiu que verdadeiramente existiu.
Diria a quem perguntasse porquê: como aqueles postes de electricidade, sabes? Todos ligados entre si para que a electricidade esteja em circulação de forma contínua, e seja usada por quem dela precisar. Tu és um desses postes, eu sou um desses postes; e agora estamos ligados nessa rede ininterrupta por onde circula a nossa energia elementar, a humanidade.
Entendes?
Eventualmente, acabou por ser detida pela polícia.

Artista de passagem


Fotografia: Elsa Arrais

Livro de parede

12.

Param em frente de uma parede branca. Num canto, alguém escreveu: “Uma parede é um espelho.” Lêem e encolhem os ombros. Depois, fazem algumas caretas para a parede, como as crianças fazem para um espelho.
«Não acontece nada, este espelho está avariado.»
Riem.
«Passo aqui todos os dias e nunca tinha reparado nesta frase. Obrigado por me fazeres parar e ver. Olhamos tantas vezes para as mesmas coisas que deixamos de as ver como elas são e passamos a vê-las como as recordamos.»
«Pareces um telejornal a falar.»
Riem.

Em homenagem a Rui Fonseca. Até sempre.

19 de Setembro de 2025







Produção #4 Nem Marias Nem Manéis
NEM BESTAS NEM SANTAS
Fotografia de cena: Cristina Vicente

Nem Nem

Nem Bestas Nem Santas
Quarta produção NEM MARIAS NEM MANÉIS

Texto: Paulo Kellerman
Encenação e Dramaturgia: Cátia Ribeiro
Interpretação: Andreia Mateus, Catarina Mamede, Cátia Ribeiro e Rita Rosa
Movimento coreográfico: Cátia Ribeiro e Rita Rosa
Ilustração ao vivo: Maraia
Música: Nelson Brites
Vídeo: Milady
Artes manuais: Cátia Ribeiro e Sandra Ribeiro
Círculo: Daniela Mateus, Dora Fonseca, Fátima Gonçalves e Mariana Lourenço
Fotografia: Ana Gilbert, Andreia Mateus, Anna Monica Rigon, Anna Papachristou, Carina Martinho Coelho, Carolina Geiger, Cristina Vicente, Elsa Arrais, Fabiana Fraga, Federica (Final Girl 7), Jelena Stankovic, Joana Neves, Julie Flam, Martha Takahashi, Nadir Social Lens, Sêmmada Arrais, Sílvia Bernardino, Teresa Santos e Vanda Cristina
Fotografia de Cena e produção: Cristina Vicente

MIMO - Museu da Imagem em Movimento | Leiria
19 de Setembro de 2025 | 21h

19 de Setembro

XII

Não te anules.
Sempre que o fizeres, irás perder uma camada da tua alma. Descola-se uma película,
como uma folha de árvore que se desprende e cai no chão.
Alguma vez viste uma árvore caminhar pelos campos em busca das folhas que perdeu?
Todas as perdas são definitivas.
E cada anulação é uma perda. Uma desalmação.

300 » 314


Na edição em papel do Jornal de Leiria ou aqui.

Baci

19 de Setembro

IX

Nunca pedir autorização para viver. Para ser. Para sentir. Para amar. Para rir. Para morrer. Para criar. Para foder. Para adiar. Para chorar. Para imaginar. Para recomeçar. Para sonhar. Para existir.
Nunca pedir autorização.
Por cada vez que se pede autorização, morre-se.
E uma mulher tem menos vidas do que os gatos.
Não aceites ser morta-viva.

Artista a solo


Fotografia: Cristina Vicente

Baci Sospesi Leiria

II

Gostava de caminhar pelos passeios repletos de gente e tocar em pessoas desconhecidas.
Seguindo um instinto indefinido, uma completa e absoluta falta de lógica ou racionalidade: tocava alguém e sorria-lhe; depois, seguia o seu caminho. A maioria das pessoas retraía-se, como se acabasse de sofrer uma agressão; outras reagiam de modo quase violento; algumas sorriam; pouquíssimas tocavam de volta, sorriam de volta.
Se alguém lhe perguntasse o que estava a fazer (e as poucas pessoas que perguntavam faziam-no de modo agressivo, sem qualquer interesse em escutar a resposta), poderia explicar que ao tocar os outros procurava conectar-se com a humanidade existente em cada um, tecendo uma linha de toques como alguém desenha um mapa dos sítios por onde passou, onde permaneceu, onde sentiu que verdadeiramente existiu.
Diria a quem perguntasse porquê: como aqueles postes de electricidade, sabes? Todos ligados entre si para que a electricidade esteja em circulação de forma contínua, e seja usada por quem dela precisar. Tu és um desses postes, eu sou um desses postes; e agora estamos ligados nessa rede ininterrupta por onde circula a nossa energia elementar, a humanidade.
Entendes?
Eventualmente, acabou por ser detida pela polícia.