(Duas mulheres jovens sentadas numa mesa de pastelaria, frente a frente; bules de chá e pedaços secos de torrada pela mesa; dois telemóveis. As outras mesas estão desocupadas.)
MULHER (num tom falsamente desprendido, algo receoso): Preciso que me faças um pequeno favor.
IRMÃ (tom decidido e confiante, sem hesitações calculistas): Diz lá.
MULHER (deixando o olhar vaguear, embaraçada): Quero que me ajudes a treinar o pedido de divórcio.
IRMÃ (rindo, surpreendida mas sem antagonismo): Treinar o quê?
MULHER (sorrindo, envergonhada): O pedido de divórcio.
IRMÃ (abanando a cabeça, ainda rindo): Agora é que vai? É desta vez?
MULHER (encolhendo os ombros): Duvido. (Embaraçada.) É só para ensaiar. (Olhando em redor, desconfortável.) Ver qual é a sensação.
IRMÃ (subitamente séria, apreensiva): As coisas pioraram?
MULHER (hesitante, após uma breve pausa): Não, acho que não. (Sorrindo, sem vontade.) Até melhoraram ligeiramente, nos últimos dias.
IRMÃ (simultaneamente incrédula e satisfeita): A sério? Melhoraram como?
MULHER (incomodada): Sei lá, melhoraram. Não me apetece falar disso agora. (Pausa breve, desconfortável.) Às vezes andas tão cansada que só a intensidade do teu desejo para que as coisas melhorem é suficiente. (Encolhe os ombros.) Queres tanto que melhorem que melhoram mesmo, ou parece que melhoram. (Pausa breve.) O que vai dar ao mesmo, não é?
IRMÃ (desconfortável com a súbita agressividade da interlocutora, falando num tom hesitante): Então para que serve esse disparate de ensaiar pedidos de divórcio? (Pausa breve. Correspondendo inconscientemente com um tom igualmente hostil.) Não te percebo. Por um lado queres que as coisas resultem, nem que seja à força; por outro pareces ansiar por que terminem, de uma vez. (Pausa breve.) Em que ficamos?
(A Mulher desvia o olhar, desconfortável, talvez agastada; a Irmã olha-a com insistência.)
IRMÃ (tom acusatório, vagamente descontrolado): Às vezes, pare que tens vivido numa ilusão de casamento, entretida com uma espécie de ilusão de felicidade. Agora queres um divórcio de ilusão? (Pausa breve.) Foda-se, que me parece ilusão a mais.
(A Mulher mantém-se alheada, mas não necessariamente incomodada; como se estivesse habituada a reprimendas da Irmã.)
IRMÃ (num tom pesaroso, estendendo a mão e acariciando-lhe o braço): Desculpa.
MULHER (magoada, tentando parecer indiferente): Não faz mal.
IRMÃ (tom apologético): Sabes que isto irrita-me como tudo. A tua hesitação. A forma como adias e adias e adias. (Sorrindo, com compreensão; tentando compensar a agressividade anterior.) A tua maldita indecisão.
(A Mulher deixa-se acariciar pela Irmã, sem corresponder, quase sem reparar; não a olha; parece momentaneamente ausente, imperturbável. Confiante nas suas certezas.)
MULHER (num tom rígido, com se recitasse algo): A felicidade não é ilusão. Nem sempre. (Pausa breve.) Muitas vezes, não é. (Pausa breve.) Sabes bem.
IRMÃ (irritada): Está bem. Às vezes, não é ilusão. (Retirando a mão.) Mas e as outras vezes? A maior parte das vezes?
(A Mulher encolhe os ombros, como se desinteressada da conversa.)
IRMÃ (num tom quase impertinente): Basta ser feliz três dias por mês. E os outros vinte e sete?
MULHER (encarando a Irmã, subitamente interessada no diálogo): Três dias? Se eu fosse feliz três dias todos os meses, não me queixava de nada.
(Olham-se e riem em simultâneo. A tensão desaparece de imediato. Permanecem em silêncio, sorrindo.)
IRMÃ (curiosa, ainda sorrindo; falsamente despreocupada): Este mês já tiveste os teus três dias?
MULHER (subitamente alegre e despreocupada): Só um. Mas valeu por um monte deles.
IRMÃ (atenta): Conta lá.
MULHER (depois de uma hesitação): Hoje, não. Logo vou estar com a psiquiatra e não me apetece nada estar desbobinar a história toda duas vezes seguidas. (Estende a mão acariciando o braço da Irmã, tal como ela fizera momentos antes.) Desculpa lá.
IRMÃ (sorrindo): Estúpida. Pagar setenta euros para…
MULHER (interrompendo): Oitenta e cinco.
IRMÃ (ignorando a interrupção): Ouvires exactamente as mesmas coisas que eu te posso dizer de borla.
MULHER (num tom arreliador): Mas ela diz de uma forma mais bonita.
IRMÃ (correspondendo ao tom falsamente provocatório): E por que não lhe pedes a ela para te ajudar a ensaiar o divórcio?
MULHER (sorrindo): Isso é privilégio das irmãs mais novas. (Retira a mão do braço da Irmã.)
(A Irmã abana a cabeça, suspira; olha o relógio, pega o telemóvel que está no cima da mesa, volta a pousá-lo; ajeita o cabelo, de forma inconsciente. A Mulher observa-a, sorrindo.)
MULHER (num tom falsamente desprendido, algo receoso): Preciso que me faças um pequeno favor.
IRMÃ (tom decidido e confiante, sem hesitações calculistas): Diz lá.
MULHER (deixando o olhar vaguear, embaraçada): Quero que me ajudes a treinar o pedido de divórcio.
IRMÃ (rindo, surpreendida mas sem antagonismo): Treinar o quê?
MULHER (sorrindo, envergonhada): O pedido de divórcio.
IRMÃ (abanando a cabeça, ainda rindo): Agora é que vai? É desta vez?
MULHER (encolhendo os ombros): Duvido. (Embaraçada.) É só para ensaiar. (Olhando em redor, desconfortável.) Ver qual é a sensação.
IRMÃ (subitamente séria, apreensiva): As coisas pioraram?
MULHER (hesitante, após uma breve pausa): Não, acho que não. (Sorrindo, sem vontade.) Até melhoraram ligeiramente, nos últimos dias.
IRMÃ (simultaneamente incrédula e satisfeita): A sério? Melhoraram como?
MULHER (incomodada): Sei lá, melhoraram. Não me apetece falar disso agora. (Pausa breve, desconfortável.) Às vezes andas tão cansada que só a intensidade do teu desejo para que as coisas melhorem é suficiente. (Encolhe os ombros.) Queres tanto que melhorem que melhoram mesmo, ou parece que melhoram. (Pausa breve.) O que vai dar ao mesmo, não é?
IRMÃ (desconfortável com a súbita agressividade da interlocutora, falando num tom hesitante): Então para que serve esse disparate de ensaiar pedidos de divórcio? (Pausa breve. Correspondendo inconscientemente com um tom igualmente hostil.) Não te percebo. Por um lado queres que as coisas resultem, nem que seja à força; por outro pareces ansiar por que terminem, de uma vez. (Pausa breve.) Em que ficamos?
(A Mulher desvia o olhar, desconfortável, talvez agastada; a Irmã olha-a com insistência.)
IRMÃ (tom acusatório, vagamente descontrolado): Às vezes, pare que tens vivido numa ilusão de casamento, entretida com uma espécie de ilusão de felicidade. Agora queres um divórcio de ilusão? (Pausa breve.) Foda-se, que me parece ilusão a mais.
(A Mulher mantém-se alheada, mas não necessariamente incomodada; como se estivesse habituada a reprimendas da Irmã.)
IRMÃ (num tom pesaroso, estendendo a mão e acariciando-lhe o braço): Desculpa.
MULHER (magoada, tentando parecer indiferente): Não faz mal.
IRMÃ (tom apologético): Sabes que isto irrita-me como tudo. A tua hesitação. A forma como adias e adias e adias. (Sorrindo, com compreensão; tentando compensar a agressividade anterior.) A tua maldita indecisão.
(A Mulher deixa-se acariciar pela Irmã, sem corresponder, quase sem reparar; não a olha; parece momentaneamente ausente, imperturbável. Confiante nas suas certezas.)
MULHER (num tom rígido, com se recitasse algo): A felicidade não é ilusão. Nem sempre. (Pausa breve.) Muitas vezes, não é. (Pausa breve.) Sabes bem.
IRMÃ (irritada): Está bem. Às vezes, não é ilusão. (Retirando a mão.) Mas e as outras vezes? A maior parte das vezes?
(A Mulher encolhe os ombros, como se desinteressada da conversa.)
IRMÃ (num tom quase impertinente): Basta ser feliz três dias por mês. E os outros vinte e sete?
MULHER (encarando a Irmã, subitamente interessada no diálogo): Três dias? Se eu fosse feliz três dias todos os meses, não me queixava de nada.
(Olham-se e riem em simultâneo. A tensão desaparece de imediato. Permanecem em silêncio, sorrindo.)
IRMÃ (curiosa, ainda sorrindo; falsamente despreocupada): Este mês já tiveste os teus três dias?
MULHER (subitamente alegre e despreocupada): Só um. Mas valeu por um monte deles.
IRMÃ (atenta): Conta lá.
MULHER (depois de uma hesitação): Hoje, não. Logo vou estar com a psiquiatra e não me apetece nada estar desbobinar a história toda duas vezes seguidas. (Estende a mão acariciando o braço da Irmã, tal como ela fizera momentos antes.) Desculpa lá.
IRMÃ (sorrindo): Estúpida. Pagar setenta euros para…
MULHER (interrompendo): Oitenta e cinco.
IRMÃ (ignorando a interrupção): Ouvires exactamente as mesmas coisas que eu te posso dizer de borla.
MULHER (num tom arreliador): Mas ela diz de uma forma mais bonita.
IRMÃ (correspondendo ao tom falsamente provocatório): E por que não lhe pedes a ela para te ajudar a ensaiar o divórcio?
MULHER (sorrindo): Isso é privilégio das irmãs mais novas. (Retira a mão do braço da Irmã.)
(A Irmã abana a cabeça, suspira; olha o relógio, pega o telemóvel que está no cima da mesa, volta a pousá-lo; ajeita o cabelo, de forma inconsciente. A Mulher observa-a, sorrindo.)