Sinto uma revolta que nem imaginas. Uma revolta que ocupa todo o corpo, e dança dentro dele causando uma comichão dentro das tripas, na barriga, por todo o lado.
Uma revolta que não cessa, que não tem intervalo. Uma revolta provocada pela invisibilidade, pela negação do que se é, do que se quer ser. Por me roubarem a identidade. Viúva e mãe, a isso me reduzem. E eu a querer que o mundo me veja e reconheça como mulher, e não como uma função.
Negarem a alguém a possibilidade de ter desejo é uma tortura. Já me imaginei a ir à janela e gritar bem alto: sim, tenho uma cona.
Nunca fui capaz. Acho que em toda a vida nunca disse essa palavra em voz alta.
A forma como nos condicionam a abdicarmos da nossa liberdade é espantosa, não achas?
Diário de quem ficou
Fotografia: Cristina Vicente