1.
Talvez o segredo do sucesso da sua relação fosse o facto de não falarem. Trocavam um sms para definir horas e locais, encontravam-se na recepção do hotel e subiam juntos, depois de se terem saudado sem grandes voracidades ou entusiasmos. O silêncio no interior do elevador não era propriamente agradável ou reconfortante; contudo, também não era particularmente incómodo. Na verdade, se pretendessem falar – não pretendiam –, que poderiam dizer um ao outro? Que havia a dizer, afinal? Talvez pudessem, por exemplo, conversar sobre o facto de a partir de certa idade – a deles –, o diálogo ser quase sempre um simples e imprescindível veículo para alcançar sexo, para superar os primeiros momentos, para justificar e disfarçar e apressar a motivação principal, muitas vezes exclusiva; sim, poderiam talvez conversar sobre isso e sorrir, agradados com a ironia, com a ilusão de subversão. Mas e depois, quando o assunto se esgotasse e não houvesse nada mais a acrescentar, como seria? Não, era preferível nem começarem. E por isso olhavam-se no espelho, sorriam silenciosamente (um sorriso diferente daquele que dirigiriam a um estranho mas, na verdade, não demasiado diferente), talvez se tocassem. Depois, o elevador teria finalmente chegado ao seu destino, um corredor seria percorrido e uma porta aberta; restaria, então (finalmente), foder. E eles foderiam.
2.
Claro que ela finge os orgasmos, todos eles, desde o primeiro; por que não o faria? É sempre mais fácil – mais confortável – fingir: dá menos trabalho e revela menos, denuncia menos, vulnerabiliza menos. Ele não imagina que é tudo fingido (como poderia imaginar, porque haveria sequer de suspeitar?), na verdade nem repara bem na actuação (na presença?) dela, não pensa nisso (como se a expressão do prazer dela, fingido ou não, tivesse pouca ou nenhuma relevância); numa ou noutra ocasião, notou que ela era um pouco ruidosa, um pouquinho mais do que o aceitável, mas como estão num hotel, anónimos e sós, não importa. A ele jamais lhe ocorreria que o ruído e o esbracejar e o frenesim (a exteriorização) pudesse ser uma distracção, destinada a desviar a atenção e iludir. E ela não é uma mulher especialmente subtil ou perspicaz ou inteligente (apenas uma pessoa normal); contudo, sabe, intuitiva e inconscientemente, que deve exagerar o que sente (ou, se for preciso, inventar; fingir que sente) e, desse modo, evitar intimidades excessivas. Contudo, é sensível (muito sensível) à atenção dele, à ternura que o comportamento dele revela e consubstancia; gosta particularmente quando ele (logo após ela fingir o seu orgasmo), a toca com cuidado e reverência, como se ela fosse frágil e preciosa; quando ele sorri, sereno e saciado, terno; quando ele diz que a ama (não é frequente mas acontece, por vezes). Gosta, muito; claro que não lhe ocorre que ele finge, que a ternura e sensibilidade e amor que ele exterioriza são tão fabricados quanto os seus próprios orgasmos.
Sim, talvez o segredo do sucesso da relação seja o facto de não falarem; caíssem nessa tentação e inevitavelmente acabariam por se denunciar, acabariam por se revelar demasiado; ambos perceberiam o fingimento do outro e cederiam ao desânimo, à revolta, à decepção, ao constrangimento. E depois, logo depois, viria o afastamento; a separação (mais uma).
3.
Ou talvez seja ao contrário: talvez ambos saibam que o outro finge; talvez ambos tenham percebido exactamente aquilo de que o outro necessita e lho ofereçam, não por generosidade mas porque assim o outro se sentirá em dívida, impelido a também oferecer algo. Talvez uma relação madura e sustentável, adulta, seja apenas isso: uma troca. Uma alternância entre débitos e créditos, uma contabilidade afectiva, uma transacção de sentimentos e expectativas e toques e orgasmos e tudo o mais que forma e alimenta a intimidade.
Sim, dirá a psiquiatra mais tarde, toda essa racionalização é muito conveniente e confortável; mas o que acontecerá quando um dos dois deixar de se satisfazer com fingimentos?
4.
(Possibilidade teórica: e se fosse ao contrário? Se ele buscasse amor e não apenas quem lhe amparasse as ejaculações? Se ela buscasse prazer, apenas prazer? Como seria?)
5.
E se eles efectivamente acabassem por conversar, poderia ser assim:
- Eu sei, compreendo o que sentes.
- Não sei se compreendes.
- Compreendo, claro que compreendo. Mas diz-me: que posso fazer? Diz-me, porque eu não sei. Fingir um orgasmo é algo que posso fazer, que consigo fazer.
- Pois consegues.
- Agora, sentir um orgasmo é que eu não sei como fazer. Gostava muito, não imaginas como gostava de sentir, sentir mesmo a sério. Senti-lo, simplesmente. E depois oferecer-te parte dessa sensação, agradecer-ta. Mas não consigo, não sei como se faz. Desculpa, mas não sei que mais dizer.
- Suponho que entendo. Ou tenho que entender, o que vai dar ao mesmo. Afinal, é verdade que também não sei como sentir amor por ti. Fingi-lo é fácil mas senti-lo, efectivamente senti-lo, confesso que…
- Desculpa mas de que estás a falar? Fingir amor? Queres dizer que…
6.
Claro que é melhor manterem-se calados. Claro que sim. Continuar a acreditar (a fingir) que fingimentos é quanto basta, é melhor que nada. Depois, chega sempre o momento em que o silêncio se torna um pouquinho mais desconfortável que antes; e então, quase de repente, ambos sentem pressa de partir, de estar noutro lado qualquer, com outra pessoa; e ambos fingem (quase em simultâneo, o que é curioso) um qualquer compromisso, uma urgência repentina, um pretexto que apresse a despedida; e convergem num fingimento conjunto, comum aos dois: a separação é o único momento em que estão em verdadeira empatia, próximos.
Mas, por enquanto, ele ainda ressona ligeiramente enquanto ela pensa como será quando tiver um orgasmo a sério, se sentirá (como tem sido hábito) sono e enfado e vontade de tomar banho, necessidade de se desligar; ou se será completamente diferente e inimaginável.
O hotel está muito tranquilo e silencioso, nada interrompe ou incomoda a languidez da tarde, nada lembra ou denuncia a pressa e o frenesim e a voracidade inerentes à vida quotidiana, à vida lá de fora, à vida além-hotel; um intervalo, pensa ela, sabe sempre bem. Sempre.
Temos que repetir isto com mais frequência, diz ela quando ele acorda. E não dirão mais nada, até que cada um deles entre no seu automóvel e zarpe em direcção à respectiva família.
Talvez o segredo do sucesso da sua relação fosse o facto de não falarem. Trocavam um sms para definir horas e locais, encontravam-se na recepção do hotel e subiam juntos, depois de se terem saudado sem grandes voracidades ou entusiasmos. O silêncio no interior do elevador não era propriamente agradável ou reconfortante; contudo, também não era particularmente incómodo. Na verdade, se pretendessem falar – não pretendiam –, que poderiam dizer um ao outro? Que havia a dizer, afinal? Talvez pudessem, por exemplo, conversar sobre o facto de a partir de certa idade – a deles –, o diálogo ser quase sempre um simples e imprescindível veículo para alcançar sexo, para superar os primeiros momentos, para justificar e disfarçar e apressar a motivação principal, muitas vezes exclusiva; sim, poderiam talvez conversar sobre isso e sorrir, agradados com a ironia, com a ilusão de subversão. Mas e depois, quando o assunto se esgotasse e não houvesse nada mais a acrescentar, como seria? Não, era preferível nem começarem. E por isso olhavam-se no espelho, sorriam silenciosamente (um sorriso diferente daquele que dirigiriam a um estranho mas, na verdade, não demasiado diferente), talvez se tocassem. Depois, o elevador teria finalmente chegado ao seu destino, um corredor seria percorrido e uma porta aberta; restaria, então (finalmente), foder. E eles foderiam.
2.
Claro que ela finge os orgasmos, todos eles, desde o primeiro; por que não o faria? É sempre mais fácil – mais confortável – fingir: dá menos trabalho e revela menos, denuncia menos, vulnerabiliza menos. Ele não imagina que é tudo fingido (como poderia imaginar, porque haveria sequer de suspeitar?), na verdade nem repara bem na actuação (na presença?) dela, não pensa nisso (como se a expressão do prazer dela, fingido ou não, tivesse pouca ou nenhuma relevância); numa ou noutra ocasião, notou que ela era um pouco ruidosa, um pouquinho mais do que o aceitável, mas como estão num hotel, anónimos e sós, não importa. A ele jamais lhe ocorreria que o ruído e o esbracejar e o frenesim (a exteriorização) pudesse ser uma distracção, destinada a desviar a atenção e iludir. E ela não é uma mulher especialmente subtil ou perspicaz ou inteligente (apenas uma pessoa normal); contudo, sabe, intuitiva e inconscientemente, que deve exagerar o que sente (ou, se for preciso, inventar; fingir que sente) e, desse modo, evitar intimidades excessivas. Contudo, é sensível (muito sensível) à atenção dele, à ternura que o comportamento dele revela e consubstancia; gosta particularmente quando ele (logo após ela fingir o seu orgasmo), a toca com cuidado e reverência, como se ela fosse frágil e preciosa; quando ele sorri, sereno e saciado, terno; quando ele diz que a ama (não é frequente mas acontece, por vezes). Gosta, muito; claro que não lhe ocorre que ele finge, que a ternura e sensibilidade e amor que ele exterioriza são tão fabricados quanto os seus próprios orgasmos.
Sim, talvez o segredo do sucesso da relação seja o facto de não falarem; caíssem nessa tentação e inevitavelmente acabariam por se denunciar, acabariam por se revelar demasiado; ambos perceberiam o fingimento do outro e cederiam ao desânimo, à revolta, à decepção, ao constrangimento. E depois, logo depois, viria o afastamento; a separação (mais uma).
3.
Ou talvez seja ao contrário: talvez ambos saibam que o outro finge; talvez ambos tenham percebido exactamente aquilo de que o outro necessita e lho ofereçam, não por generosidade mas porque assim o outro se sentirá em dívida, impelido a também oferecer algo. Talvez uma relação madura e sustentável, adulta, seja apenas isso: uma troca. Uma alternância entre débitos e créditos, uma contabilidade afectiva, uma transacção de sentimentos e expectativas e toques e orgasmos e tudo o mais que forma e alimenta a intimidade.
Sim, dirá a psiquiatra mais tarde, toda essa racionalização é muito conveniente e confortável; mas o que acontecerá quando um dos dois deixar de se satisfazer com fingimentos?
4.
(Possibilidade teórica: e se fosse ao contrário? Se ele buscasse amor e não apenas quem lhe amparasse as ejaculações? Se ela buscasse prazer, apenas prazer? Como seria?)
5.
E se eles efectivamente acabassem por conversar, poderia ser assim:
- Eu sei, compreendo o que sentes.
- Não sei se compreendes.
- Compreendo, claro que compreendo. Mas diz-me: que posso fazer? Diz-me, porque eu não sei. Fingir um orgasmo é algo que posso fazer, que consigo fazer.
- Pois consegues.
- Agora, sentir um orgasmo é que eu não sei como fazer. Gostava muito, não imaginas como gostava de sentir, sentir mesmo a sério. Senti-lo, simplesmente. E depois oferecer-te parte dessa sensação, agradecer-ta. Mas não consigo, não sei como se faz. Desculpa, mas não sei que mais dizer.
- Suponho que entendo. Ou tenho que entender, o que vai dar ao mesmo. Afinal, é verdade que também não sei como sentir amor por ti. Fingi-lo é fácil mas senti-lo, efectivamente senti-lo, confesso que…
- Desculpa mas de que estás a falar? Fingir amor? Queres dizer que…
6.
Claro que é melhor manterem-se calados. Claro que sim. Continuar a acreditar (a fingir) que fingimentos é quanto basta, é melhor que nada. Depois, chega sempre o momento em que o silêncio se torna um pouquinho mais desconfortável que antes; e então, quase de repente, ambos sentem pressa de partir, de estar noutro lado qualquer, com outra pessoa; e ambos fingem (quase em simultâneo, o que é curioso) um qualquer compromisso, uma urgência repentina, um pretexto que apresse a despedida; e convergem num fingimento conjunto, comum aos dois: a separação é o único momento em que estão em verdadeira empatia, próximos.
Mas, por enquanto, ele ainda ressona ligeiramente enquanto ela pensa como será quando tiver um orgasmo a sério, se sentirá (como tem sido hábito) sono e enfado e vontade de tomar banho, necessidade de se desligar; ou se será completamente diferente e inimaginável.
O hotel está muito tranquilo e silencioso, nada interrompe ou incomoda a languidez da tarde, nada lembra ou denuncia a pressa e o frenesim e a voracidade inerentes à vida quotidiana, à vida lá de fora, à vida além-hotel; um intervalo, pensa ela, sabe sempre bem. Sempre.
Temos que repetir isto com mais frequência, diz ela quando ele acorda. E não dirão mais nada, até que cada um deles entre no seu automóvel e zarpe em direcção à respectiva família.