Era uma vez um astronauta que nunca se cansava de contemplar a Terra. Lá de cima, olhava pela janela da estação espacial, magnetizado pela beleza serena e luminosa do planeta. Claro que sabia que além da linha de beleza delicada e hipnótica (dentro da linha de beleza, na verdade) que lhe captava o olhar e prendia a imaginação, viviam biliões de pessoas atarefadas nas suas repetições obsessivas de movimentos e acções. Não as via (claro que não as via), mas sabia que estavam lá. Raramente pensava nelas, porque lhe eram indiferentes; aprendera a viver sem pessoas, bastando-lhe a presença pacificadora daquela linha de luz composta por cores vívidas e formas que pareciam vivas; formas que respiravam. Olhava, hora após hora, através da sua janela espacial; deixando-se cegar pela beleza.
Até que certa vez pensou: e se for assim com Deus?
Pensou: e se Deus, olhando lá de cima através da sua janela divina, também se deixa inebriar pela linha de beleza, permanecendo indiferente às obsessivas repetições das egocêntricas criaturas humanas, anónimas e indiferenciadas, que se movem freneticamente por baixo do brilho apenas visível quando visto a partir do espaço?