No cimo da árvore, num ramo mais resguardado do sol, um pássaro-criança pergunta ao pássaro-pai:
- Para onde vão as árvores depois de morrerem?
- Para o céu.
- As árvores conseguem voar? Como nós?
- Conseguem pois.
- Então porque nunca vi nenhuma voar?
- Porque só voam à noite.
- Ah. Tudo o que é espectacular acontece à noite. E eu a dormir. Não é justo.
- Tens de ter paciência.
- Já não sou nenhum ovo. Não sei porque me tratam como se fosse um ovo que pode partir a casca de um momento para o outro.
- Não te armes em super-pássaro. És apenas um bebé.
- E como fazem as árvores para voar?
- Abanam os ramos.
- E as folhas não caem?
- De noite as folhas enrolam-se aos ramos. E às vezes mudam de cor. E por isso, não caem.
- A sério? De que cor ficam?
- Azuis.
- Porquê?
- Para não se confundirem com cerejas.
- Porquê?
- Para os pássaros não as comerem.
- Pássaros como nós?
- Não. Pássaros nocturnos.
- É que eu adoro cerejas.
- Eu sei.
- E as árvores não gostam de nós?
- Gostam, mas só se não lhes comermos as folhas.
- Ah, eu não gosto de folhas. Só de cerejas. E que acontece às árvores quando vão para o céu?
- Fazem corridas e dão cambalhotas.
- Uau.
- E também andam atrás dos pássaros.
Ficam calados. Entretanto o tempo passa, e já apanham sol no seu ramo. É quase altura de partirem.
- Pai?
- Diz.
- É mesmo verdade que à noite as árvores ficam com as folhas azuis e vão fazer corridas para o céu?
- Não.
Riem os dois ao mesmo tempo.
- Pai?
- Diz.
- Quando for grande quero ser tolo como tu.
- Já és.
E levantam finalmente voo, em direcção ao sol. É então que se ouvem os tiros. Pum. Pum.