ELE (num tom nostálgico, quase sonhador): Sim, era muito falador. (Pausa breve.) Chegava a casa e começava logo a tagarelar sobre o que tinha acontecido nesse dia, coisas banais e inconsequentes, em que nem reparara com atenção enquanto aconteciam mas que, em retrospectiva, quando as contava, pareciam-me interessantes. (Pausa breve. Sorriso.) Como se só acontecessem para que eu, mais tarde, as pudesse contar. (Novo sorriso, quase forçado.) O que fazia de mim uma espécie de coleccionar de eventos. Não. De tópicos de conversa. (Pausa longa, algo desconfortável. Aguardo, sem impaciência nem verdadeiro interesse.) Ia falando, um pouco indiferente às reacções que causava, sem reparar que nunca havia perguntas ou manifestações de curiosidade. Nada, na verdade. (Pausa breve. Tom quase envergonhado.) Suponho que partia do princípio de que tudo o que pudesse dizer seria importante para eles e, portanto, escutariam sempre com curiosidade e interesse. (Pausa breve. Tom hesitante.) Todos acreditamos nisso, não é?
(Encolho os ombros e desvio o olhar. O silêncio arrasta-se, vagamente opressivo.)
ELE (talvez envergonhado): Eu acreditava. E ia falando e falando; eles olhavam para mim e sorriam, acenavam com a cabeça, voltavam a sorrir, voltavam a acenar com a cabeça. (Pausa breve.) Sempre assim, dia após dia. Como se me dominasse uma ânsia de lhes falar, de contar, de merecer a sua atenção. (Hesitando.) Como se a minha vida, a minha presença naquela casa, apenas fizesse verdadeiro sentido enquanto falasse e o silêncio pudesse ser sinónimo de uma espécie de não existência. Percebes?
(Aceno com a cabeça, tentando mostrar-me compreensivo e solidário. Tentando: talvez sem grande sucesso.)
ELE (pensativo): Tentar alimentar o seu interesse por mim, através da palavra. (Pausa breve.) Uma forma inconsciente de forçar a aproximação, talvez. (Sorriso triste, desconsolado.) De forçar a intimidade.
(Levanto-me e caminho até à janela, olho o céu sem atenção nem prazer; por nenhum motivo, apenas para não me manter quieto, expectante; para forçar o movimento, contrariar a estagnação. Ouço-o respirar lentamente, talvez olhando-me. Suponho que aguarde uma reacção minha, uma manifestação de interesse.)
EU (forçando-me a fazer a pergunta, cuja resposta intuo): Mas que idade tinhas? (Pausa muito breve, hesitação subtil.) Quando percebeste que os teus pais não estavam realmente interessados no que tivesses para lhes contar. (Pausa breve.) Em ti.
ELE (encolhendo os ombros, desviando o olhar): Nove. Nove anos. (Pausa longa.) Quase nove anos.
(Continuo à janela, olhando o céu; perguntando-me se haverá um dia em que as nuvens deixem de ser brancas. Ele continua sentado na poltrona, respirando lentamente; talvez a perguntar-se se algo mudou na sua vida, em todos estes anos.)
(Encolho os ombros e desvio o olhar. O silêncio arrasta-se, vagamente opressivo.)
ELE (talvez envergonhado): Eu acreditava. E ia falando e falando; eles olhavam para mim e sorriam, acenavam com a cabeça, voltavam a sorrir, voltavam a acenar com a cabeça. (Pausa breve.) Sempre assim, dia após dia. Como se me dominasse uma ânsia de lhes falar, de contar, de merecer a sua atenção. (Hesitando.) Como se a minha vida, a minha presença naquela casa, apenas fizesse verdadeiro sentido enquanto falasse e o silêncio pudesse ser sinónimo de uma espécie de não existência. Percebes?
(Aceno com a cabeça, tentando mostrar-me compreensivo e solidário. Tentando: talvez sem grande sucesso.)
ELE (pensativo): Tentar alimentar o seu interesse por mim, através da palavra. (Pausa breve.) Uma forma inconsciente de forçar a aproximação, talvez. (Sorriso triste, desconsolado.) De forçar a intimidade.
(Levanto-me e caminho até à janela, olho o céu sem atenção nem prazer; por nenhum motivo, apenas para não me manter quieto, expectante; para forçar o movimento, contrariar a estagnação. Ouço-o respirar lentamente, talvez olhando-me. Suponho que aguarde uma reacção minha, uma manifestação de interesse.)
EU (forçando-me a fazer a pergunta, cuja resposta intuo): Mas que idade tinhas? (Pausa muito breve, hesitação subtil.) Quando percebeste que os teus pais não estavam realmente interessados no que tivesses para lhes contar. (Pausa breve.) Em ti.
ELE (encolhendo os ombros, desviando o olhar): Nove. Nove anos. (Pausa longa.) Quase nove anos.
(Continuo à janela, olhando o céu; perguntando-me se haverá um dia em que as nuvens deixem de ser brancas. Ele continua sentado na poltrona, respirando lentamente; talvez a perguntar-se se algo mudou na sua vida, em todos estes anos.)