Uma árvore a tentar correr

(Estória escrita a partir de uma fotografia de Sónia Silva.)






Imagina esta fotografia: uma árvore a ser fustigada pela tempestade; apenas isso, árvore e tempestade. Na tua opinião, quem domina a fotografia? Mesmo não vendo o vento, sabes que está lá, a sua presença é inquestionável; e, na verdade, sabes que é ele o grande protagonista, apesar de invisível; apesar de infotografável. Afinal, é sempre assim, não achas? Nas nossas vidas, quero dizer; o invisível ordena sempre mais. Mas de volta à fotografia. Sabes que há vento e que o vento está a abanar a árvore, é isso que vês, é essa a experiência de vida e do mundo que tens e que, consequentemente, projectas na fotografia: se uma árvore está vergada é porque o vento a inclina e ponto final, não pensas mais nisso. Mas e se olhares melhor, ou se olhares de outra forma? É esse o desafio, não é? Conseguir ver mais, ver melhor, ver diferente; ir além do óbvio, da aparência. Por exemplo: e se conseguires não ver o vento, se conseguires imaginar que não há vento nenhum na fotografia? Por que não aceitar que vês apenas uma árvore debruçada e nada mais? O senso comum diz-te que deve haver uma ventania infernal a fustigá-la, não é? E tu acreditas no senso comum; pronto, não há nada a fazer; o senso comum é como o vento: invisível mas imparável e, no fundo, quem mais ordena; uma espécie de raiz que nos prende à terra, mas daquelas raízes que já não alimentam, daquelas que apenas aprisionam. Mas sabes uma coisa? Que se foda o senso comum. Estamos a falar apenas de uma fotografia, não é? E a verdade é que por mais que olhes e tentes, não consegues sentir o vento; os teus preconceitos é que te dizem que há vento. Mas e se não houver? E se não havia vento no momento em que a fotografia foi tirada? Ora imagina lá. Consegues imaginar? Pois, o bom senso faz-te logo a pergunta óbvia: se não há vento, porque está a árvore inclinada, quase suspensa? Boa pergunta, não é? Sabes o que responderia, se me fizesses essa pergunta? Diria: está a tentar libertar-se; está a tentar erguer-se da terra e caminhar, afastar-se; a tentar arrancar-se do chão. Olhas a fotografia de uma árvore a ser agitada pelo vento; e se conseguires imaginar que, afinal, não há vento, aquilo que fica é a fotografia de uma árvore a tentar fugir. Uma árvore a tentar correr. Haverá algo mais triste e dilacerante, mais desconcertante, mais humano? Se calhar, não. Pensa nisso, então. Uma árvore a tentar fugir da terra que a prende. É essa a verdadeira fotografia, aquela que poucos percebem. E sabes o que te digo? É precisamente assim que me sinto, por vezes. Amarrado ao chão, prisioneiro do bom senso, do preconceito; agitado por uma tempestade imaginária, por ventos que não existem; de certa forma, amarrado e agitado por mim próprio. Ou, dizendo de modo mais rude: sinto que não sou o protagonista da minha fotografia, da fotografia da minha própria vida; o vento invisível é que o é. Percebes isto?