ELA: Sabes, desculpa falar nisto mas gostava de te pedir um favor.
ELE: O quê?
ELA: Gostava que dissesses que me amas. Que olhasses para mim e dissesses: amo-te. Só uma vez, chegava.
ELE: Mas eu não te amo. Sabes isso.
ELA: Sei. Mas podias dizê-lo na mesma. Não podias?
ELE: Suponho que sim.
(Pausa.)
ELA: Não ficaste aborrecido, pois não?
ELE: Claro que não.
ELA: Não queria aborrecer-te.
ELE: Eu sei. Mas deixaste-me pensativo.
ELA: Desculpa.
ELE: Não faz mal.
(Pausa.)
ELA: Continuas pensativo.
ELE: Sim, estava a pensar que tens razão, que poderia perfeitamente olhar para ti e dizer que te amo.
ELA: Apesar de não o sentires.
ELE: Sim. Mas não é isso que importa. O que conta é que poderia dizê-lo.
ELA: Um favor que me fazias.
ELE: Não seria propriamente um sacrifício ou assim.
ELA: Não quero que faças sacrifícios.
ELE: Não, claro que não seria um sacrifício. Seria uma espécie de presente.
ELA: Como se fosse o nosso aniversário.
ELE: É, mais ou menos isso.
(Pausa.)
ELE: Então, aqui vai.
ELA: Está bem.
ELE: Amo-te.
(Pausa.)
ELA: Obrigado. Obrigado por dizeres.
ELE: Não precisas de agradecer.
(Pausa.)
ELE: E foi bom?
ELA: Ouvir-te dizê-lo? Sim, foi bom. Interessante.
ELE: Ainda bem, fico contente.
ELA: Ok.
ELE: Talvez até possa voltar a fazê-lo. Qualquer dia.
ELA: A sério? Seria simpático.
(Pausa.)
ELE: Mas achas que mudou alguma coisa? Sentes que mudou alguma coisa?
ELA: Penso que não.
ELE: Seria estranho, se tivesse mudado.
ELA: Pois seria. Mesmo estranho.
(Pausa.)
ELA: Mas, apesar de tudo, foi bom.
ELE: Agradável?
ELA: Sim, penso que é o termo adequado. Agradável.
(Pausa.)
ELA: Continuas pensativo?
ELE: Engraçado, de repente comecei a imaginar que se o dissesse mais vezes, se o fosse repetindo uma e outra vez, talvez começasse a acreditar.
ELA: Acreditar? Que queres dizer? Estás a falar de quê?
ELE: Estou a falar de dizer que te amo. Estranho, não é? Afinal, é só uma palavra. Mas poderia ir repetindo e repetindo e, quem sabe, talvez começasse a acreditar.
ELA: Achas?
ELE: Não sei, estava só a pensar nisso.
ELA: É um pensamento estranho.
ELE: Eu sei.
ELA: Mas bonito.
(Pausa.)
ELE: Sabes o que é ainda mais estranho?
ELA: O quê?
ELE: Vais rir.
ELA: Prometo que não.
ELE: Bom, levei o pensamento mais longe, até às últimas consequências.
ELA: Que queres dizer?
ELE: Estava a pensar que se acreditasse nisso, se o repetisse tanta vez que começasse a acreditar que te amo…
ELA: Sim?
ELE: Talvez começasse a senti-lo.
ELA: Senti-lo?
ELE: Sim, senti-lo. Sentir que te amo.
ELA: Amar-me mesmo? É o que estás a dizer?
ELE: Suponho que sim.
(Pausa.)
ELA: Acho que ia gostar disso.
ELE: Imaginei que sim.
ELA: Seria agradável.
ELE: Estava a pensar que poderia ser interessante experimentar. Depois deste tempo todo, tentar algo novo, algo diferente.
ELA: Sim, acho que devíamos tentar. Devíamos mesmo. Se quiseres, é claro.
ELE: Quero.
(Pausa.)
ELA: Como viste, não ri.
ELE: Pois não.
(Pausa.)
ELE: Vamos então experimentar?
ELA: Sim.
ELE: Nem que seja apenas para nos distrairmos um bocado e tal.
ELA: Para não nos aborrecermos tanto.
ELE: Isso.
(Pausa.)
ELE: Aqui vai, então.
ELA: Está bem.
ELE: Amo-te.
ELA: Ok.
(Pausa.)
ELA: Se calhar é um bocado com dizia um filósofo.
ELE: Qual?
ELA: Não me lembro, acho que era um alemão qualquer.
ELE: E que dizia ele?
ELA: Dizia que o que conta não é tanto a verdade ou os factos mas a forma como se fala dessa verdade ou desses factos.
ELE: Isso é um bocado esquisito.
ELA: Se calhar estou a fazer confusão. Mas tenho a certeza que houve alguém que defendia que o conteúdo do que é dito depende da forma como é enunciado.
ELE: Queres dizer que isso se pode aplicar ao nosso caso?
ELA: Um pouco, talvez.
(Pausa.)
ELE: Aparentemente, somos pessoas filosóficas. Quem diria.
ELA: Ninguém.
(Pausa.)
ELA: Quanto tempo achas que vai demorar?
ELE: Não faço ideia. Afinal, é só uma experiência, pode nem sequer resultar.
ELA: Sim, é verdade. Não devemos apressar a ciência.
ELE: Ciência?
ELA: Claro. Especulaste uma teoria e agora vais testá-la; é ciência pura.
ELE: Tens razão.
ELA: E a ciência, sabes como é. É científica. Implica paciência e perseverança e mais não sei quê.
ELE: É um pouco como o amor, não achas?
ELA: Sim, parece-me uma boa comparação.
ELE: Talvez o amor seja simples ciência.
ELA: Teorias e experimentações e assim?
ELE: Algo do género.
ELA: Talvez.
(Pausa.)
ELA: Nesse caso, no amor existe muita margem para o erro. Não é? Experiências que falham e isso.
ELE: É inevitável.
ELA: E connosco?
ELE: Que queres dizer?
ELA: A experiência não tem corrido mal, pois não?
ELE: Parece-me que não.
ELA: Também penso que não.
(Pausa.)
ELE: Filosóficos e científicos. Parecemos o casal perfeito.
ELA: É verdade.
ELE: Apesar de não nos amarmos.
ELA: Pois não.
ELE: Quase perfeitos, então.
ELA: É.
(Pausa.)
ELE: Achas que já posso dizê-lo novamente?
ELA: Penso que sim.
ELE: Muito bem, aqui vai.
ELA: Estou pronta.
ELE: Amo-te.
ELA: Ok.
ELE: Continua a ser agradável para ti?
ELA: Mais ou menos.
ELE: Ainda bem.
(Pausa.)
ELE: Há pouco, falaste de aniversário.
ELA: Sim.
ELE: Quando é o nosso aniversário, afinal?
ELA: Na verdade, não sei.
ELE: Não?
ELA: Não. Isso desagrada-te? Que eu não saiba.
ELE: Claro que não. De todo.
ELA: Mas ficaste surpreendido.
ELE: Um pouco. Não sei bem porquê.
ELA: Decepcionado.
ELE: Não, claro que não. Acredita que não fiquei.
ELA: Tens a certeza?
ELE: Tenho.
ELA: Ok.
(Pausa.)
ELA: Voltando à experiência.
ELE: Sim.
ELA: E tu, já começaste a sentir alguma diferença?
ELE: A acreditar, é o que queres dizer? A acreditar que te amo?
ELA: Sim.
ELE: Penso que é muito cedo.
ELA: Também pensei o mesmo, era só para ter a certeza.
ELE: Fizeste bem. Gosto que tenhas perguntado.
ELA: Por vezes, penso que estamos de tal forma em sintonia que nem precisaríamos de falar para nos entendermos.
ELE: Sim, também já senti isso.
ELA: E é bom.
ELE: Pois é.
ELA: Tanta gente que se ouve por aí, casais e isso, com conversas irrelevantes. Falam e falam e falam mas não dizem nada. Não se entendem, vê-se logo que estão apenas a falar para si próprios.
ELE: Sim, é um pouco irritante. Ou triste, conforme as situações.
ELA: Pessoas que não têm mesmo noção da figurinha que fazem.
ELE: Pois não.
(Pausa.)
ELA: Mas nós não somos assim.
ELE: Claro que não.
ELA: Filosóficos e científicos.
ELE: Isso mesmo.
(Pausa.)
ELA: Estou a ficar aborrecida.
ELE: Sim? E que te apetece fazer?
ELA: Não sei. Talvez foder um bocado?
ELE: Foder?
ELA: Só para distrair.
ELE: Ok.
ELA: Ok?
ELE: Ok.
ELE: O quê?
ELA: Gostava que dissesses que me amas. Que olhasses para mim e dissesses: amo-te. Só uma vez, chegava.
ELE: Mas eu não te amo. Sabes isso.
ELA: Sei. Mas podias dizê-lo na mesma. Não podias?
ELE: Suponho que sim.
(Pausa.)
ELA: Não ficaste aborrecido, pois não?
ELE: Claro que não.
ELA: Não queria aborrecer-te.
ELE: Eu sei. Mas deixaste-me pensativo.
ELA: Desculpa.
ELE: Não faz mal.
(Pausa.)
ELA: Continuas pensativo.
ELE: Sim, estava a pensar que tens razão, que poderia perfeitamente olhar para ti e dizer que te amo.
ELA: Apesar de não o sentires.
ELE: Sim. Mas não é isso que importa. O que conta é que poderia dizê-lo.
ELA: Um favor que me fazias.
ELE: Não seria propriamente um sacrifício ou assim.
ELA: Não quero que faças sacrifícios.
ELE: Não, claro que não seria um sacrifício. Seria uma espécie de presente.
ELA: Como se fosse o nosso aniversário.
ELE: É, mais ou menos isso.
(Pausa.)
ELE: Então, aqui vai.
ELA: Está bem.
ELE: Amo-te.
(Pausa.)
ELA: Obrigado. Obrigado por dizeres.
ELE: Não precisas de agradecer.
(Pausa.)
ELE: E foi bom?
ELA: Ouvir-te dizê-lo? Sim, foi bom. Interessante.
ELE: Ainda bem, fico contente.
ELA: Ok.
ELE: Talvez até possa voltar a fazê-lo. Qualquer dia.
ELA: A sério? Seria simpático.
(Pausa.)
ELE: Mas achas que mudou alguma coisa? Sentes que mudou alguma coisa?
ELA: Penso que não.
ELE: Seria estranho, se tivesse mudado.
ELA: Pois seria. Mesmo estranho.
(Pausa.)
ELA: Mas, apesar de tudo, foi bom.
ELE: Agradável?
ELA: Sim, penso que é o termo adequado. Agradável.
(Pausa.)
ELA: Continuas pensativo?
ELE: Engraçado, de repente comecei a imaginar que se o dissesse mais vezes, se o fosse repetindo uma e outra vez, talvez começasse a acreditar.
ELA: Acreditar? Que queres dizer? Estás a falar de quê?
ELE: Estou a falar de dizer que te amo. Estranho, não é? Afinal, é só uma palavra. Mas poderia ir repetindo e repetindo e, quem sabe, talvez começasse a acreditar.
ELA: Achas?
ELE: Não sei, estava só a pensar nisso.
ELA: É um pensamento estranho.
ELE: Eu sei.
ELA: Mas bonito.
(Pausa.)
ELE: Sabes o que é ainda mais estranho?
ELA: O quê?
ELE: Vais rir.
ELA: Prometo que não.
ELE: Bom, levei o pensamento mais longe, até às últimas consequências.
ELA: Que queres dizer?
ELE: Estava a pensar que se acreditasse nisso, se o repetisse tanta vez que começasse a acreditar que te amo…
ELA: Sim?
ELE: Talvez começasse a senti-lo.
ELA: Senti-lo?
ELE: Sim, senti-lo. Sentir que te amo.
ELA: Amar-me mesmo? É o que estás a dizer?
ELE: Suponho que sim.
(Pausa.)
ELA: Acho que ia gostar disso.
ELE: Imaginei que sim.
ELA: Seria agradável.
ELE: Estava a pensar que poderia ser interessante experimentar. Depois deste tempo todo, tentar algo novo, algo diferente.
ELA: Sim, acho que devíamos tentar. Devíamos mesmo. Se quiseres, é claro.
ELE: Quero.
(Pausa.)
ELA: Como viste, não ri.
ELE: Pois não.
(Pausa.)
ELE: Vamos então experimentar?
ELA: Sim.
ELE: Nem que seja apenas para nos distrairmos um bocado e tal.
ELA: Para não nos aborrecermos tanto.
ELE: Isso.
(Pausa.)
ELE: Aqui vai, então.
ELA: Está bem.
ELE: Amo-te.
ELA: Ok.
(Pausa.)
ELA: Se calhar é um bocado com dizia um filósofo.
ELE: Qual?
ELA: Não me lembro, acho que era um alemão qualquer.
ELE: E que dizia ele?
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ELE: Isso é um bocado esquisito.
ELA: Se calhar estou a fazer confusão. Mas tenho a certeza que houve alguém que defendia que o conteúdo do que é dito depende da forma como é enunciado.
ELE: Queres dizer que isso se pode aplicar ao nosso caso?
ELA: Um pouco, talvez.
(Pausa.)
ELE: Aparentemente, somos pessoas filosóficas. Quem diria.
ELA: Ninguém.
(Pausa.)
ELA: Quanto tempo achas que vai demorar?
ELE: Não faço ideia. Afinal, é só uma experiência, pode nem sequer resultar.
ELA: Sim, é verdade. Não devemos apressar a ciência.
ELE: Ciência?
ELA: Claro. Especulaste uma teoria e agora vais testá-la; é ciência pura.
ELE: Tens razão.
ELA: E a ciência, sabes como é. É científica. Implica paciência e perseverança e mais não sei quê.
ELE: É um pouco como o amor, não achas?
ELA: Sim, parece-me uma boa comparação.
ELE: Talvez o amor seja simples ciência.
ELA: Teorias e experimentações e assim?
ELE: Algo do género.
ELA: Talvez.
(Pausa.)
ELA: Nesse caso, no amor existe muita margem para o erro. Não é? Experiências que falham e isso.
ELE: É inevitável.
ELA: E connosco?
ELE: Que queres dizer?
ELA: A experiência não tem corrido mal, pois não?
ELE: Parece-me que não.
ELA: Também penso que não.
(Pausa.)
ELE: Filosóficos e científicos. Parecemos o casal perfeito.
ELA: É verdade.
ELE: Apesar de não nos amarmos.
ELA: Pois não.
ELE: Quase perfeitos, então.
ELA: É.
(Pausa.)
ELE: Achas que já posso dizê-lo novamente?
ELA: Penso que sim.
ELE: Muito bem, aqui vai.
ELA: Estou pronta.
ELE: Amo-te.
ELA: Ok.
ELE: Continua a ser agradável para ti?
ELA: Mais ou menos.
ELE: Ainda bem.
(Pausa.)
ELE: Há pouco, falaste de aniversário.
ELA: Sim.
ELE: Quando é o nosso aniversário, afinal?
ELA: Na verdade, não sei.
ELE: Não?
ELA: Não. Isso desagrada-te? Que eu não saiba.
ELE: Claro que não. De todo.
ELA: Mas ficaste surpreendido.
ELE: Um pouco. Não sei bem porquê.
ELA: Decepcionado.
ELE: Não, claro que não. Acredita que não fiquei.
ELA: Tens a certeza?
ELE: Tenho.
ELA: Ok.
(Pausa.)
ELA: Voltando à experiência.
ELE: Sim.
ELA: E tu, já começaste a sentir alguma diferença?
ELE: A acreditar, é o que queres dizer? A acreditar que te amo?
ELA: Sim.
ELE: Penso que é muito cedo.
ELA: Também pensei o mesmo, era só para ter a certeza.
ELE: Fizeste bem. Gosto que tenhas perguntado.
ELA: Por vezes, penso que estamos de tal forma em sintonia que nem precisaríamos de falar para nos entendermos.
ELE: Sim, também já senti isso.
ELA: E é bom.
ELE: Pois é.
ELA: Tanta gente que se ouve por aí, casais e isso, com conversas irrelevantes. Falam e falam e falam mas não dizem nada. Não se entendem, vê-se logo que estão apenas a falar para si próprios.
ELE: Sim, é um pouco irritante. Ou triste, conforme as situações.
ELA: Pessoas que não têm mesmo noção da figurinha que fazem.
ELE: Pois não.
(Pausa.)
ELA: Mas nós não somos assim.
ELE: Claro que não.
ELA: Filosóficos e científicos.
ELE: Isso mesmo.
(Pausa.)
ELA: Estou a ficar aborrecida.
ELE: Sim? E que te apetece fazer?
ELA: Não sei. Talvez foder um bocado?
ELE: Foder?
ELA: Só para distrair.
ELE: Ok.
ELA: Ok?
ELE: Ok.