Imagina esta
fotografia: uma árvore a ser fustigada pela tempestade; apenas isso, árvore e
tempestade. Na tua opinião, quem domina a fotografia? Mesmo não vendo o vento, sabes que está lá, a sua
presença é inquestionável; e, na verdade, sabes que é ele o grande
protagonista, apesar de invisível; apesar de infotografável. Afinal, é sempre
assim, não achas? Nas nossas vidas, quero dizer; o invisível ordena sempre mais.
Mas de volta à fotografia. Sabes que há vento e que o vento está a abanar a
árvore, é isso que vês, é essa a
experiência de vida e do mundo que tens e que, consequentemente, projectas na
fotografia: se uma árvore está vergada é porque o vento a inclina e ponto
final, não pensas mais nisso. Mas e se olhares melhor, ou se olhares de outra
forma? É esse o desafio, não é? Conseguir ver mais, ver melhor, ver diferente;
ir além do óbvio, da aparência. Por exemplo: e se conseguires não ver o vento, se conseguires imaginar
que não há vento nenhum na fotografia? Por que não aceitar que vês apenas uma
árvore debruçada e nada mais? O senso comum diz-te que deve haver uma ventania
infernal a fustigá-la, não é? E tu acreditas no senso comum; pronto, não há
nada a fazer; o senso comum é como o vento: invisível mas imparável e, no fundo,
quem mais ordena; uma espécie de raiz que nos prende à terra, mas daquelas
raízes que já não alimentam, daquelas que apenas aprisionam. Mas sabes uma
coisa? Que se foda o senso comum. Estamos a falar apenas de uma fotografia, não é? E a verdade é que por mais que olhes
e tentes, não consegues sentir o vento; os teus preconceitos é que te dizem que
há vento. Mas e se não houver? E se não havia vento no momento em que a
fotografia foi tirada? Ora imagina lá. Consegues imaginar? Pois, o bom senso
faz-te logo a pergunta óbvia: se não há vento, porque está a árvore inclinada, quase
suspensa? Boa pergunta, não é? Sabes o que responderia, se me fizesses essa
pergunta? Diria: está a tentar libertar-se; está a tentar erguer-se da terra e
caminhar, afastar-se; a tentar arrancar-se do chão. Olhas a fotografia de uma
árvore a ser agitada pelo vento; e se conseguires imaginar que, afinal, não há
vento, aquilo que fica é a fotografia de uma árvore a tentar fugir. Uma árvore
a tentar correr. Haverá algo mais triste e dilacerante, mais desconcertante,
mais humano? Se calhar, não. Pensa nisso, então. Uma árvore a tentar fugir da
terra que a prende. É essa a verdadeira fotografia, aquela que poucos percebem.
E sabes o que te digo? É precisamente assim que me sinto, por vezes. Amarrado
ao chão, prisioneiro do bom senso, do preconceito; agitado por uma tempestade
imaginária, por ventos que não existem; de certa forma, amarrado e agitado por
mim próprio. Ou, dizendo de modo mais rude: sinto que não sou o protagonista da
minha fotografia, da fotografia da minha própria vida; o vento invisível é que
o é. Percebes isto?