A partir de uma foto de Sónia Silva.
- O grande problema
do mundo… Sabes qual é? Falta de sincronismo nos olhares. As pessoas nunca
olham juntas, para o mesmo sítio ao mesmo tempo. Já reparaste? Há sempre um
desfasamento, ainda que pareça que se
olha em simultâneo. E quando não se olha em conjunto, não se vê o mesmo; e se
não se vê o mesmo, não se sente parecido ou igual; e se não se sente parecido
ou igual, no fundo estamos condenados a uma desoladora incompreensão, não é? Talvez
seja aí que resida a angústia da solidão: sentimo-nos sós porque percebemos que
nunca ninguém olhará verdadeiramente connosco. Preocupamo-nos em olhar o outro
e ser olhado pelo outro mas sabemos que o que importa é olhar com o outro. Sei
lá, imagina dois apaixonados sentados na areia da praia, de mãos dadas, e a
olhar o mar em silêncio; acreditarão estar em união completa mas é impossível
que olhem precisamente o mesmo pedacinho de mar no mesmo instante. Impossível,
existirá sempre uma divergência milimétrica e momentânea mas insuperável. E
quando se percebe isso, é um pouco desolador; afinal, de que serve ver e não
partilhar totalmente? Claro que muita gente não percebe, ou finge que não
percebe, porque a ilusão é sempre aconchegante. Mas a verdade é que as pessoas
andam tristes, basta olhar em redor e percebê-lo. E quanto mais pessoas há em
redor de nós, pior. Como no metro ou numa feira de diversões ou num shopping: se
há uma multidão, menores parecem ser as possibilidades de ocorrer um olhar em
comum; maior é o isolamento. O que é uma incongruência desconcertante. Perceber
que a quantidade não potencia a qualidade é como descobrir que o sol não gira à
volta da Terra; ou que não existe pai natal; ou que os nossos pais fazem sexo.
E depois há também o movimento, que talvez seja inimigo do olhar. Talvez. Porque
parece que a única forma de duas pessoas conseguirem olhar em conjunto, em
verdadeira sintonia, será estando transformadas numa espécie de estátuas,
congeladas num tempo e espaço comuns; e mesmo assim, a percepção do que se olha
será sempre diferente. Enfim. No fundo, a visão é um sentido irrelevante, não
te parece? Porque, na realidade, somos uma multidão de cegos; os homens não
vêem, porque olhar sozinho não é realmente ver, e esse é o grande problema do
mundo.
- Não sei nada dos problemas
do mundo. Mas tu, pelo que ouço, tens um grande problema. E repara que te olho
nos olhos quando digo isto: tens um grande problema, tu.