(A partir de uma foto de Maria João Dias.)
Ela estava à janela quando cheguei. Olhei-a durante
um instante, em silêncio. Depois, disse-lhe: «Amo-te.» E sorri, admirando a
elegância com que se virava para mim. Mas ela olhou-me sem surpresa nem
alegria, pensativa, distante; contrariada. Não sorriu. Disse: «Sempre que
afirmas que me amas, aprisionas-me mais um pouco. Porque dizê-lo significa, na
verdade, denunciar o teu desejo de que eu permaneça indefinidamente como estou,
para que assim possas continuar a amar-me. Desejas-me imutável, congelada num
momento eterno; é isso que amas, esse momento. Sempre achei que dizer que se
ama alguém é negar-lhe a possibilidade de mudança, não concordas? Mas não quero
olhar para alguém e sentir-me presa, sentir-me condicionada. Quero olhar para
alguém, para ti, e sentir-me livre. Quero que sejas o espelho da minha
liberdade, da minha possibilidade de mudança. Quero que sejas uma janela:
olhando para ti, desejo vislumbrar um universo de possibilidades, horizontes
infinitos, o vasto céu sem limites. Não digas que me amas, está bem? Diz-me que
queres ser a minha janela.» Olhou-me durante um instante, em silêncio. Ainda
pensativa, ainda mais distante. Depois, virou-se e contemplou o mundo pela janela;
esqueceu-me. Poderia responder-lhe que estava enganada, que era exactamente ao
contrário; explicar que em cada momento a descobria de novo, a descobria nova,
e me deslumbrava; como se a visse pela primeira vez e cada primeira vez fosse
mais intensa, mais arrebatadora; explicar que em cada um desses momentos a
amava como se fosse a primeira vez. Mas ela olhava pela janela, interessada nos
universos infinitos e desinteressada de mim. Para quê falar? Afinal, dissera
uma única palavra e tudo se desmoronara; uma frase inteira poderia ser
mortífera. Mas o silêncio também o estava a ser. Restava fugir; e foi por isso
que me aproximei da janela.