Estória em cinco partes a partir de fotos de Sílaba Súbita.
Paulo Kellerman é autor de sete peças, duas óperas e uma curta-metragem. Publicou vinte e dois livros em diversos géneros literários. Concebeu, coordenou ou participou em projectos com dezenas de criadores das mais diversas áreas artísticas. É responsável pelo projecto Fotografar Palavras, que desde 2016 envolveu mais de 330 criadores (fotógrafos e escritores) de 35 países, e foi co-fundador da editora Minimalista. Recebeu o Grande Prémio do Conto da Associação Portuguesa de Escritores.
Dedos
Dizias-me:
por vezes, as palavras não bastam. E eu respondia: sim, tens razão; mas, por
outro lado, sem palavras não existimos. Havia um silêncio e concluías: apenas
com palavras, também não.
Foi
na última vez que tivemos esta conversa que decidi escrever-te um livro. E colocar
nesse livro tudo o que tenho para te dizer, todas as palavras que quero que
sejam tuas, que guardes em ti. Talvez as palavras não nos bastem porque somos
incapazes de as guardar, de as tornar parte de nós; não achas? Tontice minha,
talvez. Mas não acreditas que uma palavra exacta dita no momento adequado poderá
ter tanta importância como… sei lá… um dedo? Não tens guardadas em ti palavras
que são tão físicas e palpáveis, tão visíveis e fundamentais, tão vivas, tão pele-e-carne-e-sangue-e-osso
como cada um dos dedos das tuas mãos?
Pensei,
então, em escrever-te um livro e nele colocar todas as palavras que quero que sejam
tuas. Para que as possas ler sempre que desejares, como desejares. Para que,
por um momento, possas imaginar que são apenas tuas, criadas para ti. Para que
te apropries delas e nelas me encontres. Para que as possas sentir; como se
fossem dedos. Pele-e-carne-e-sangue-e-osso.
(Imagem: John Tarahteeff)
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