Contágio

Num destes sábados reuniu em Leiria um conjunto de fotógrafos. Ou talvez não seja bem assim, já que alguns não se autodenominam fotógrafos mas Instagramers. Recomeçando: num destes sábados reuniu em Leiria um conjunto de pessoas que fotografam e publicam o seu trabalho no Instagram. Chamou-se a isso Instameet e foi o primeiro realizado em Leiria. Perto de cinquenta pessoas percorreram a cidade e fotografaram o que as seduzia, o que as cativava, o que as fazia parar. Foi uma experiência fantástica acompanhar um grupo tão heterogéneo e assistir de perto ao seu entusiasmo, à sua criatividade. Pelo meu lado, fiz o que me fora pedido: de cadernozito na mão, fui escrevendo impressões e devaneios a partir daquilo que observava e sentia; se alguém me tivesse perguntado, explicaria que converter o que vejo em palavras é a minha forma de fotografar. Ao longo do dia o caderno foi passando de mão em mão; e houve quem usasse algumas das frases lá escrevinhadas no seu processo fotográfico, interpretando as palavras e tornando-as suas, transformando-as em imagem. Comove-me sempre a generosidade de quem se desvia do seu caminho habitual, de quem integra os outros no seu percurso, de quem aceita cumplicidades e partilhas. Foram surgindo publicações que incorporavam textos meus e, claro, fui sendo surpreendido porque é fascinante descobrir como os outros vêem as minhas palavras; é fascinante regressar a essas palavras e senti-las de um modo novo, contagiado pela interpretação que os outros fizeram delas. Talvez seja isso o que mais aproxima literatura e fotografia: são exteriorizações concretas do que se vê, do que se sente, do que se questiona, do que se teme, do que se sonha; interpretações que pelo simples facto de existirem afectam o mundo. A cada fotografia que olhamos ou a cada texto que lemos surge a possibilidade de ver e sentir e pensar e questionar a realidade através do olhar de quem fotografou ou escreveu; como se usássemos uns óculos emprestados. Ou como vivermos numa casa que sempre conhecemos e de repente descobrir que existe uma janela em que nunca tínhamos reparado; abrimos essa janela e olhamos a mesma paisagem mas de um ângulo diferente, vendo na paisagem de sempre algo novo. Visitar Leiria acompanhado pelo entusiasmo destas pessoas permitiu-me isso mesmo: ver algo novo naquilo que olho todos os dias. E acompanhar as publicações que foram fazendo utilizando textos do caderno permitiu-me olhar de forma nova para aquilo que escrevo (ou seja, para aquilo que penso e sinto; para aquilo que sou). Seduz-me este labirinto contagioso de olhares; seduz-me a possibilidade de existência de cumplicidade entre olhares, a possibilidade de contaminação dos olhares. Seduz-me que os olhares se toquem e se influenciem. Seduz-me que o olhar, sendo livre, recuse o isolamento e opte por buscar a liberdade de outros olhares; porque ao fazê-lo amplia o seu campo de visão, aprofunda a sua liberdade. E até onde nos pode levar o nosso olhar, se o seguirmos sem medo?

Crónica para o Jornal de Leiria.