(Escrito a partir de uma fotografia de Lara Jacinto)
O que eu pergunto é isto: de que preciso para ser verdadeiramente feliz? Excluindo pormenores e distracções, contingências, ilusões, devaneios, há-de haver um conjunto de elementos que serão fundamentais e insubstituíveis; tipo elementos fundadores ou sustentáculos, estás a perceber?; as raízes da felicidade, para usarmos uma linguagem à tony carreira. E nem importa que elementos sejam esses, pelo menos agora não importa, neste momento, não é essa a questão primordial; o que importa é a sua simples existência. Existem, e isso é suficiente. A dúvida mais premente, que me tem agitado, é esta: independentemente do que sejam ou das características que tenham, onde poderei obtê-los, como alcançá-los? Essa é a questão que me perturba. Onde. Não importa o quê (pelo menos agora; depois, logo penso nisso), importa onde. Ok? Mas deixa-me prosseguir com o meu pequeno devaneio intelectual, deixa-me avançar mais um pouco. Julgo conhecer-te suficientemente bem para presumir que, ingenuamente, considerarias saber a resposta para esta minha dúvida. “Onde?”, pergunto eu. “Em mim.”, responderias tu. Imagina que esses tais elementos fundadores seriam, por exemplo, cinco. Sim, digamos que cinco é um bom número: para eu ser completamente feliz, em determinado momento, é necessário estarem reunidos cinco elementos, cinco condições, cinco pressupostos, cinco qualquer coisa. Certo? Então, tu, muito naturalmente, acreditarias reunir em ti próprio esses cinco elementos, ou, pelo menos, estares na sua origem; acreditarias ser tua responsabilidade e obrigação proporcionar-me esses cinco elementos. (Lembras-te do dia em que me pediste em casamento? Quando eu respondi que sim, disseste: “A partir deste momento, a minha missão na vida é fazer-te feliz.” – Sim, eu sei: uma afirmação de telenovela, um bocado melodramática, um bocado imbecil; tony carreira de novo. Mas significativa, não achas?) Na verdade, se te passasse pela cabeça que um único desses elementos não fosse momentaneamente proporcionado ou veiculado por ti, ficarias tremendamente infeliz e miserável; considerarias isso uma espécie de traição, porque na verdade assumes-te perante ti próprio como uma espécie de defensor e guardião, ou mesmo proprietário, da minha felicidade. Não é? Mesmo que não o admitas, mesmo que não o consciencializes; sei que é assim. OK? Deixa-me concluir, então. Perante isso, como confessar-te que se a minha felicidade dependesse desses tais cinco elementos estruturantes, tu não estarias nem sequer próximo de ser um único deles? Como dizer-te isto? Como dizer-te que apesar de teres estado no âmago da minha felicidade (há muito tempo, amor; há mesmo muito, muito tempo), agora estás tão afastado que nem parece que vivemos no mesmo planeta, no mesmo sistema solar?
Penso tudo isto enquanto te abraço, uma vez mais; e olho para longe, para o mais longe que os meus olhos, a minha mente, conseguem alcançar. Abraço-te, enquanto penso em como fugir de ti. (E como é possível que não percebas, que não vejas nada disto? Talvez os abraços sejam, afinal, perniciosos: impedem que as pessoas, apesar de próximas, se encarem e vejam de frente, nos olhos; talvez demasiada proximidade seja, afinal, uma forma de cegueira. Talvez os abraços sejam uma forma de afastamento. Será por isso que te abraço tanto? Para te manter longe?)