- Já reparaste? Por
mais próximos que estejamos, há sempre algo que se interpõe entre nós, que nos
separa, que nos afasta; algo difuso e impalpável que impede que nos
complementemos totalmente. Como se fosse um véu, quase invisível, quase
incorpóreo, mas inquestionavelmente presente, tão sólido como uma parede.
Estendo a mão e toco a tua pele, penso que estou a tocar a tua pele, chego até
a sentir que toco a tua pele; mas
não, na verdade não estou a tocar, a sentir. Porque há uma película
insubstancial que se interpõe entre a minha pele e a tua, entre o meu olhar e o
teu, entre o meu corpo e o teu; entre mim e ti. E por mais que tente
aproximar-me, por mais que tente tocar, não consigo; parece impossível. Não sei
de que é feito este véu; talvez esteja, na sua origem, relacionado com a tua
resistência, com o teu medo, a tua distância; talvez seja tudo isso que de
alguma forma se consubstancia em algo concreto e palpável, em algo tocável;
como um véu, por exemplo. Mas estás a sorrir. Gostas desta palavra, não é? Eu
gosto, também gosto. Con-subs-tan-cia. E, por acaso, representa aquilo que mais
ambiciono: que o nosso amor se consubstanciasse, que nos consubstanciássemos.
Percebes isto? Mas afinal parece que não é possível, parece que apenas aquilo
que nos separa se consubstancia. Paciência. Afinal, passamos a vida envolvidos
por véus, não é? Mesmo que consigamos despir todas as máscaras com que nos
protegemos, parece impossível não manter alguns véus, nem que seja só um; parece
impossível estarmos completamente despidos perante alguém. Mas, mesmo parecendo
impossível, eu quero despir-me completamente, quero-te completamente despido. Percebes
o meu problema? Quero impossíveis. E é por isso que vou rasgar este véu que nos
separa; vou rasgar-te e quero que me rasgues porque apenas assim, rasgados,
poderemos ser verdadeiramente completos. Não quero véus, quero que sejamos
apenas nós.
- Não queres véus. Ok,
percebo. Faz sentido. Mas agora pára um pouco para pensar, só um pouquinho. Está
bem? Pode ser? Pensa nisto: até que ponto podemos conhecer o outro? E já agora,
pensa também nisto: até que ponto o outro quer que o conheçamos? Acreditas
mesmo que é possível o conhecimento total do outro? Acreditas que alguém deseje
a nudez total e absoluta?
- Acreditava. Por
acaso, acreditava. Até agora mesmo.