Lá fora, chove um
pouco; o cinzento da atmosfera contagia-me, invadindo-me e alastrando em mim, tornando-me
mais melancólica do que habitual. O carro avança lentamente, percorrendo o
cinzento da estrada, atravessando o cinzento da atmosfera, fugindo ao cinzento
da vida. Permanecemos em silêncio há muito tempo, aparentemente já dissemos
tudo o que havia a dizer; restará, portanto, concluir a viagem e chegar onde
nada nos aguarda, abraçar o cinzento que fantasiámos abandonar (um daqueles
abraços desconfortáveis, que nos arrepiam um pouco mas não conseguimos evitar;
mas será um mau abraço melhor do que nenhum abraço?).
Observo
distraidamente os carros que nos rodeiam, cada um deles um universo estanque,
misterioso e fascinante, inatingível; e no seu interior, em cada um deles, estará
alguém que nunca fará parte da minha vida, uma pessoa que talvez pudesse sorrir-me
e pedir-me que a abraçasse, alguém que talvez pense e sinta e fantasie e sonhe
e deseje e tema e sofra como eu. Alguém com quem nunca estarei mais próximo do
que na partilha, anónima e momentânea, de uma auto-estrada; ou na imaginação.
Olho em redor,
pensando na infinidade de possibilidades que não se concretizarão: gente que me
poderia fazer feliz mas que nunca chegarei
a conhecer; gente que talvez exista efectivamente mas cuja existência é,
afinal, irrelevante. E é nisto que penso – gente fantasma; felicidade de
assombração – quando, inesperadamente, sinto a tua mão procurar a minha,
tocando-a cuidadosamente (como se temesse a sua fuga?), envolvendo-a,
apertando-a. Continuo a olhar em frente, um pouco rígida, fixando o vermelho
dos faróis dos universos inatingíveis que se movem lentamente. E pergunto-me: mas
será que ainda há esperança?