A partir de uma foto de Maria João Faísca.
Olhava o banco
abandonado mas nunca parava.
Passava apressado,
desejando estar noutro lado qualquer mas incapaz de sentir a importância do
momento presente, do momento em que por ali passava. Pensava: caminhar é sempre
um adiamento. Ainda não percebera que todos os momentos são, afinal, uma
espera. O que acontece é que, por vezes, surgem momentos que
consigo saborear e, por isso, nem
reparo que são uma espera, sinto-os como uma passagem. No fundo, persigo sempre
um absoluto qualquer, momentos e sensações que sejam avassaladoras e
insuperáveis; desejo algo monumental e determinante, que me faça parar no
tempo, que suspenda o avanço do mundo; e nem percebo que já estou parado;
sempre estive, sempre estarei.
Caminhava apressado,
olhando o banco abandonado. Caminhar com rapidez significa, afinal, pressa de
viver e de sentir; significa urgência. Um desejo e uma necessidade de fugir às
esperas que compõem a vida; ansiava continuamente por algo e nem reparava que
viver significa estar, e não caminhar. Estar no momento. Mas a vida é conduzida
pelo irreal: por desejos e fantasias, por ambições, por medos; e um desejo ou
uma fantasia ou uma ambição ou um medo nunca é algo concreto e real, é apenas
um pensamento ou uma sensação, algo impalpável e imaterial; na verdade, nada.
Um vapor, ou nem isso; um sopro. Mas são esses nadas que me movem, que
determinam acções e comportamentos concretos. O imaterial conduz-me, o sopro
indica-me uma direcção e empurra-me nessa direcção. Em frente, sempre em
frente. Por isso, passava pelo banco, conduzido por um desejo indefinido mas
absoluto, e nunca me sentava; se o fizesse, estaria a sincronizar-me com o
mundo: assumiria a espera. Porque o mundo está em permanente estado de espera e
um banco vazio representa isso mesmo: espera. Mas também possibilidade; o vazio
não significa ausência de tudo mas, pelo contrário, possibilidades infinitas.
Se algo está vazio, há espaço para
ser preenchido por qualquer coisa, por tudo. Seja um banco, seja uma vida.
Olhava e continuava o
meu caminho, apressado. E assim teria continuado sempre, se não me tivesses
chamado. Eu passava, apressado, e tu disseste:
- Desculpe.
Estranhei porque não
é normal que o mundo repare em mim, chame por mim. Sorriste mas era um sorriso
triste. Disseste:
- Desculpe. Mas para
quê tanta pressa? Porque não se senta durante um minuto?
As perguntas são como
janelas, fazem-me olhar para fora de mim próprio. Parei e olhei. E o teu
sorriso triste, mais do que as tuas palavras, convidou-me a sentar-me ao teu
lado, no mesmo banco que tantas vezes olhara sem ver. Que sempre me parecera vazio
mas que, subitamente, transbordava de possibilidade. Deixei-me conduzir pela
surpresa e pelo inesperado: sentei-me à tua beira, olhando em frente. E o mundo
parou. Não, eu parei. Juntei-me ao mundo: sincronizámos velocidade e ritmo; e esperámos,
juntos.
Havia o verde da
relva, que subitamente me entrou pelos olhos dentro, como se fosse a primeira
vez que compreendesse e sentisse o verdadeiro significado do conceito “verde”;
e o amarelo do sol, iluminando a atmosfera e tornando-a perene e suspensa,
perseguindo suavemente as sombras. Havia o cheiro das árvores, subitamente
avassalador, como se as próprias árvores entrassem em mim e me povoassem. Havia
o contacto das minhas mãos com a madeira sólida e antiga do banco (quantas mãos
já teriam tocado aquela mesma madeira, deixando nela o toque da sua pele?
Quantas pessoas estava a tocar naquele momento, tocando a madeira?). Havia o
murmúrio de um qualquer bicho oculto, entrelaçado com o canto distante de um
único pássaro. Havia o sabor – mais do que uma memória, o sabor quase concreto
– das ameixas vermelhas que comera deitado numa relva assim verde nos verões da
minha infância, ouvindo o mesmo pássaro, cheirando árvores idênticas. Havia um mundo
a envolver-me, entrando em mim, apropriando-se de mim. Sentia-me entregue a um momento
absoluto, simultaneamente espera e passagem. Não sentia nem sonho nem fantasia
nem desejo nem ilusão nem ansiedade, apenas o poder dos sentidos prendendo-me
ao mundo, à vida. A um banco. À eternidade do momento.
E tu, mesmo à minha
beira, perguntaste:
- Há quantos milhões
de anos é que o verde já é verde?
Sorri, perguntando-me
quantos milhões de instantes e sensações comporão um único momento. Um sorriso
concreto e real; como o verde da relva.