"Nesta segunda visita ao ninho da criatividade e representação, O Nariz, levava comigo a curiosidade expectante gerada pela envolvência e pela novidade de visionar e ouvir a peça escrita pelo Paulo Kellerman, sabendo com antecipação que, depois desta ter sido lida por mim, a minha imaginação já criara cenários, vozes, sons e melodias, jeitos e trejeitos, movimentos e saltos de rompante ou amenizados, em suma, um pequeno mundo ao sabor dos meus peculiares pensamentos.
Dou por mim a questionar quanto ao facto de não ter sido fácil arrancar aos actores a anuência para apresentar ao público o que ainda era embrionário e sem estar completamente ensaiado e aprimorado com perfeição. Perfeição? (riso) Quem acredita nisso? Perfeito… Nunca o será. Haverá sempre algo que escapará intocável na sua magnífica imperfeição por uma das frinchas dessa madeira que reveste o palco: o improviso. A surpresa do improviso. A surpreendente arte do improviso. Sorrio.
Para mim que assisti à leitura pública da peça, foi gratificante sentir e perceber que acima de tudo há um gosto e uma entrega ao projecto que não é de um, mas de todos, com as diferenças inerentes à personalidade de cada um e que por vezes, imagino eu, colidindo entre si, fazendo contudo parte de toda esta criação.
Quem escreve, quem encena, quem representa revê-se em determinadas passagens, palavras, cenas, ou diálogos e sente que é algo de si que ali está e fica entusiasmado e inquieto ao mesmo tempo, aguardando pela reacção do público. Eu ri, sorri, chorei de rir, cantarolei acompanhando a cantoria, calei e fiquei pensativa. Emocionei. Indaguei em silêncio.
Não vou, nesta minha divagação, escrutinar quanto a pormenores relativos à encenação, à representação, à noite, ao espaço, mais haverá quem o faça com outros conhecimentos técnicos… apenas vou evidenciar que a entrega a que se assistiu, não é apenas uma questão de generosidade individual, estamos ali porque acreditamos na diferença, na partilha de experiências, nos momentos de amizade.
Conseguem-se presenciar (no palco e no público) tantos momentos e tão únicos e diversificados de quadrantes sociais e humanos, de conhecimentos, de profissões, de talentos, de estatutos, que num repente inusitado, colocam-nos nesse básico e linear papel humano que é o nosso, em que perante a morte, mesmo sendo nesse em que as realidades se encaram de forma diferenciada, acabam no fundo por ser iguais ao que somos: pó de um corpo, energia de uma alma.
Não posso deixar de referir que o inconformismo que caracteriza e alimenta muitos de nós está muito bem aflorado, somos espicaçados (quem não gosta desta palavra?!): não ao comodismo, não à indiferença, não ao marasmo, não ao ser porque sim, não ao estar por estar… há algo que nos espera, é preciso sair e procurar.
Escrevinhei, não tem muitos dias, algo que me parece pertinente para o momento:
Na natureza a inspiração… no espaço a dimensão. E ambas sem limites.
(Obrigada a todos pela oportunidade…)"
Texto de Cristina Vicente
Foto de Carla de Sousa