Esboço # 77

(Estão há algum tempo a conversar entre si, quase esquecidos da minha presença. Vou comendo sem grande apetite, tentando disfarçar o enfado; por vezes, olho para as mesas em redor, em busca de algo que me distraia.)
EU (falando inesperadamente, surpreendendo-me mais a mim próprio do que a eles): Lembram-se quando eu era garoto e me levavam ao parque? (Olham-me, um pouco contrariados.) Andava por ali, nos balancés e escorregas, a imitar os outros garotos, perguntando-me quando é que começaria a sentir-me excitado e feliz. (Hesito e eles entreolham-se, curiosos.) E vocês sempre à minha volta, lembram-se? A fotografar, sempre a fotografar-me; mas cada um com a sua máquina, e isso espantava-me um pouco; no princípio até me sentia especial por causa disso. Mas depois comecei a estranhar, a perguntar para que serviriam tantas fotografias. Fotografias atrás de fotografias, centenas delas. (Escutam-me com apreensão, desagradados.) Nunca conversavam comigo, em vez disso tiravam-me fotografias e depois comparavam-nas e discutiam-nas, conversavam longamente sobre elas, enquanto eu continuava nos balancés, à espera que me chamassem. Como se as malditas fotografias falassem por mim, representando-me. Lembram-se? (O meu pai é o primeiro a desviar o olhar, o que me surpreende; e agrada.) Nunca me mostravam as fotos, nunca me pediam opinião; as minhas fotos eram um assunto exclusivamente vosso. (Sorrio, tentando que esse sorriso os magoe.) Lembram-se? Falavam sobre as minhas fotos e sobre mim, fartavam-se de falar sobre mim. Mas nunca falavam comigo. Nunca.
(Pego o garfo e levo um pedaço de batata à boca; mastigo devagarinho, reparando como o restaurante está silencioso.)