(Escrito a partir de uma fotografia de Rute Violante)
01.
Quem visse o velho pensaria que estava simplesmente à espera
que a morte chegasse; mas a verdade é que ninguém olhava, as pessoas
continuavam a passar – apressadas, sempre muito apressadas – e nunca olhavam,
como se estivessem demasiado ocupadas com os seus problemas e pressas para
repararem na morte de alguém. Afinal, se reparassem no velho e pensassem que
estava à espera da morte, iriam afirmar, displicentes e um pouco arrogantes, que
todos estamos à espera da chegada da morte, que é esse o propósito da vida:
prepararmo-nos para morrer; diriam, também, que os velhos têm bastante mais
sorte do que todos os outros porque estão melhor
preparados, tiveram mais tempo para se preparar. Sim, as pessoas que passavam poderiam
dizer algo do género: e nem estariam a tentar ser irónicas; di-lo-iam sem se
interromperem ou se desviarem do seu trajecto, sempre em andamento, porque
parar é morrer e a ironia é só para quem tempo.
Portanto, lá estava o velho sentado a uma das mesas do
parque. Era aí que passava as suas manhãs, com o riozinho a deslizar por trás e
as folhas de árvore amarelecidas a caírem em seu redor, como se fossem flocos
de neve defeituosos que nenhuma criança quisesse pegar. O facto de escolher uma
mesa, e não um dos banquinhos de jardim onde todos os outros velhos se
sentavam, era peculiar; uma mesa de piquenique, habituada a reunir famílias
sorridentes e tagarelas e não a servir de sala de espera de casa mortuária, de
antecâmara de cemitério; porque a escolheria ele? Talvez fosse, simplesmente,
um convite lançado ao mundo, um desafio a quem passava; uma mesa é quase sempre
um objecto social, supõe-se que seja usada para fazer algo com outra pessoa,
que implique e proporcione uma partilha, que aproxime e una. O que significaria
que o velho ainda não estava decidido a ceder, que ainda lutava e resistia, que
até poderia estar atrasado para o seu próprio funeral mas não se resignava, não
renunciava à vida (ou seja: era teimoso); a escolha da mesa seria, portanto, um
simples pedido de companhia – como quem coloca uma mensagem no facebook: parem
e gostem. Poder-se-ia, por outro lado, pensar que o velho, antes de ser velho,
tivesse feito naquela mesma mesa muitos piqueniques com a sua família
sorridente e tagarela, uma família que entretanto fora sorrir e tagarelar para
outro lado qualquer, deixando-o só com as suas memórias e reminiscências, com a
sua espera resignada; estaria, então, ele a despedir-se da sua vida, regressando
a um local onde fora feliz? Já se sabe, os velhos vão para o parque porque têm
medo de morrer em casa, sozinhos; mas esquecem que há algo mais triste do que
morrer na solidão completa, que é morrer no meio da indiferença e apatia e
desinteresse de uma multidão, entre a gente que passa e nem olha. Esquecem que
muito pior do que a solidão completa é a solidão acompanhada; ou talvez não
esqueçam, talvez queiram apenas experimentar uma solidão diferente, para
variar.
Fosse qual fosse o motivo, lá continuava manhã após manhã,
silencioso e apático, imóvel, quase
morto. Talvez pensasse: “que triste é ser
apenas parte do cenário.” E se tivesse um neto ali a jeito, fazendo-lhe
companhia, talvez lhe dissesse num tom conformado: “todos gostaríamos de ser protagonistas de qualquer coisa mas durante a
maior parte do tempo somos um simples pormenor no cenário, um detalhe em que os
verdadeiros protagonistas nem sequer reparam.” E o neto, desatento e
desinteressado, perguntaria: “quê?” Mas
como não havia nenhum neto por perto, permanecia calado. Havia pessoas a
passar, mais mulheres do que homens, caminhando com rapidez e destreza, com
elegância, um pouco tensas e ansiosas, como se temessem que os empregos lhes
fugissem; ou que a própria vida lhes fugisse, que estivesse lá mais à frente,
já à saída do parque, e fosse imperativo apanhá-la antes que fosse demasiado
tarde; pessoas com receio de estarem atrasadas em relação à sua própria vida.
Dentro de algum tempo os escritórios e as repartições e as lojas estariam a
abarrotar de funcionários e assistentes e auxiliares, não haveria mais ninguém
a atravessar o parque (era estranho mas ninguém passeava naquele parque) até
que fosse hora de almoço e todos regressassem, fazendo o percurso inverso. E
durante todo esse tempo, o velho ali estaria; sozinho e à espera.
Ou talvez não. Na verdade, nunca estava verdadeiramente
sozinho quando se encontrava no parque; acompanhava-o a natureza. Porque o
velho sentia uma enorme empatia com a natureza que o rodeava e envolvia, com as
árvores e as folhas amarelas pisadas e os passaritos esvoaçantes, com o riacho
e o céu distante e o cheiro a verde misturado com o cheiro a cinzento, com as formigas que transportavam pedaços de
casca de árvore, com o sopro do vento e as minúsculas ilhas de relva que
contrariavam a supremacia descolorida do outono, com a neblina que costumava
desaparecer por volta das dez menos um quarto, com as manchas de humidade da
chuva, com o cheiro ténue das árvores e que sempre o remetia para a infância. A
natureza também nunca protagonizava nada, também era forçada a cumprir função
de simples cenário; e o velho identificava-se com isso. Claro que, por vezes,
invejava a natureza: afinal, todos os homens – mesmo os protagonistas; especialmente
os protagonistas – acabariam por desaparecer, por serem esquecidos; mas a
natureza, mesmo sendo mero cenário, permaneceria, renovando-se eternamente.
Claro que o velho, apesar de solitário e silencioso, não era imbecil: sabia
muito bem como era absurdo sentir inveja da natureza; e dizia a si próprio que
tais pensamentos – na verdade, todos os seus pensamentos – serviam apenas para
passar o tempo.
E a verdade é que ele lá ia passando, o tempo.
02.
O que aconteceu foi isto: ontem, estava o velho sentado à
mesa de piquenique a observar como a suave brisa arrumava em montinhos as
folhas de árvore espalhados pelo chão, com aparente arbitrariedade e
displicência – pensando distraidamente: se deus existisse, seria uma espécie de
vento; nada mais que isso, apenas vento –, quando uma mulher, apressada e
absorta como todas as outras, se desviou inesperadamente do seu trajecto
habitual e se aproximou do velho; mas não só: sorriu-lhe; mas não só:
falou-lhe. Ou seja: algo inopinado e totalmente novo acabara de acontecer. Uma
protagonista reparara no cenário, interagira com o cenário; e o cenário ficou
surpreendido, sem saber como reagir. Poderia apenas ter sorrido mas não se
lembrou disso; olhou-a, simplesmente, à espera. Ela disse: “raio de tempo.” E logo depois: “olhe, não me arranja um cigarrinho?” O
velho não fumava há trinta anos; mas, naquele momento, arrependeu-se
profundamente de ter deixado de fumar; se não o tivesse feito, teria o habitual
maço de cigarros no bolso do casaco, junto ao coração; e não só lhe daria um
cigarro como lho acenderia com o seu próprio isqueiro, ficaria a vê-la soprar a
primeira nuvem de fumo.
Abanou a cabeça e baixou o olhar; poderia também ter
encolhido os ombros mas pareceu-lhe que isso seria excessivo. Ela percebeu e
sorriu, disse: “é pena.” E depois: “há quanto tempo deixou de fumar?” E ele
respondeu, apenas um pouco surpreendido com a pergunta: “trinta anos.” “Chiça,”
disse ela, “ainda eu nem tinha nascido.”
E ficaram a olhar um para o outro. Durante um breve instante, o velho pensou
que ela poderia sentar-se e ficar ali a conversar durante um bocado, a ouvi-lo
recordar como eram os cigarros de há trinta anos; pensou como seria revigorante
senti-la momentaneamente interessada em si, nas suas palavras e nas suas histórias,
na sua existência de cenário. Seria ainda capaz de provocar o riso de uma
mulher jovem e bonita? Já nem se lembrava da última vez em que isso acontecera,
em que isso fora possível. Mas se conseguisse, de que serviria isso? De que
serve o riso de uma mulher jovem e bonita a um velho decadente e solitário? Na
verdade, pensou o velho, o riso existente no mundo é limitado, escasso,
precioso; para que alguém ria, outra pessoa terá que ficar triste, é necessário
que ocorra uma transferência de sentimento; apenas os ingénuos ou os idiotas
acreditam que o riso surge do nada, do vazio, como se fosse algo miraculoso; ou
pior, que é contagioso, que se reproduz e multiplica indefinidamente. Não: até
o riso é ciência. O velho sabe que o riso tem sempre um preço, sabe que a única
forma de fazer aquela mulher rir seria abdicar do seu próprio riso,
oferecendo-lho; ou seja: ficar mais triste. Sabia isso e, ainda assim, estava
disposto a fazê-lo, gostaria de o fazer: oferecer-lhe riso, já que não tinha
cigarros para lhe dar. Mas não sabia como, já não se lembrava como se fazia. Ou
pior: talvez já não possuísse riso em si.
É possível – improvável mas possível – que a mulher tenha
sentido uma momentânea tentação de suspender a sua rotina, de interromper a
previsibilidade do seu dia, e ficar por ali durante alguns minutos,
acompanhando aquele velho solitário na sua mesa rodeada de folhas amarelas.
Perguntar-lhe como eram os cigarros de há trinta anos, por exemplo; podia
perguntar-lhe isso. E talvez ele se tornasse falador, talvez desviasse o olhar
do chão. Custava-lhe muito que um velho olhasse para o chão pois parecia-lhe
que quando isso acontecia o velho estava, afinal, a espreitar o seu próprio
futuro e a conformar-se com a iminência do seu destino próximo, que era ser
enterrado na terra e apodrecer devagarinho. Os velhos deviam olhar para o céu e
não para o chão, era o que ela pensava; olhar para o céu e pisar a terra com
força, caminhando em frente. E se o velho falasse sobre os cigarros de há
trinta anos talvez se entusiasmasse um pouco e desviasse o olhar do seu destino,
esquecendo-o. O problema é que estava atrasada; atrasada e a precisar de um
cigarro. Por isso, disse: “bom, trinta
anos é mesmo muito tempo.” E afastou-se, depois de lhe acenar – um aceno de
garotinha, na verdade –, retomando o seu caminho, conformando-se ao seu
destino.
O velho ficou a vê-la afastar-se, desaparecendo ao longe
entre as outras pessoas que atravessavam o parque; subitamente, perguntou-se há
quanto tempo já não tinha um pensamento de natureza sexual e, logo de seguida,
perguntou-se porque diabo estaria a pensar tal coisa. E então sorriu,
lembrou-se de sorrir; era o que deveria ter feito de imediato, mal a mulher se
aproximara, mas só agora se lembrava de o fazer. Sorriu. Não fazia mal, pensou;
sempre fora um defeito seu, sorrir demasiado tarde. De qualquer forma, percebeu
que ainda conseguia sorrir. E é sempre espantoso, quando o cenário percebe que
pode sorrir.
03.
Por vezes, quando está em casa, sozinho e rodeado de
silêncio, a olhar para as paredes que já foram brancas, o velho pensa no parque
e sente saudades do amarelo das folhas, do amarelo pelo ar e do amarelo pelo
chão, do amarelo everywhere; sente saudades de muito, de tudo, mas
especialmente do amarelo; lembra-se do murmúrio do riozito, do cheiro do ar
livre que é tão diferente do cheiro do ar do seu quarto, da suavidade da
madeira molhada da mesa de piquenique quando lhe toca com a ponta dos dedos.
Pensa no parque sem pessoas nem movimento, pacífico e acolhedor, convidativo;
como se fosse um cenário pronto a ser usado. Quase consegue visualizar o parque
como se fosse uma pintura, que depois pendura no cinzento das suas paredes e
para onde olha como se olha para uma janela, através de uma janela. Olha para o
cinzento que já foi branco pensando em amarelo e quase consegue ouvir o rumor
do rio, aquele som quase imperceptível que fazem os peixitos quando se agitam
na água; e também a melodia repetitiva dos pássaros, cantando para nada, apenas
porque sim. Quase consegue ouvir.
04.
Hoje o velho traz um maço de cigarros e dois isqueiros;
comprou tudo logo pela manhã, na tabacaria da esquina, custando-lhe o devaneio
o equivalente a três semanas de euromilhões; teve que aguardar mais de meia
hora pela abertura da tabacaria e quase desistiu. Senta-se no sítio do costume
e espera; não lhe custa muito esperar porque isso é, afinal, aquilo que os
velhos melhor fazem, a vida serviu-lhe para pouco mais do que ensinar a esperar.
Mas sente uma dor na perna e isso é algo desconcertante: essa não é uma dor
comum e, portanto, não tem remédios para ela; terá que ir ao centro de saúde, e
depois à farmácia. Não é mais uma dor que o incomodará demasiado mas sente-se
um pouco aborrecido, descobrir uma dor nova é sempre irritante; há dores tão
antigas e persistentes que se habituou a elas, são uma espécie de companhia, de
distracção, de entretenimento. E as novas dores, quando chegam de surpresa, vêm
distraí-lo um pouco dessa distracção. Esta coisa nova na perna, que apareceu
durante a noite, parece não ser algo passageiro ou pontual; vem para ficar e,
portanto, terá mesmo que ir passeá-la ao centro de saúde. Pior do que ter que
suportar as dores é não ter ninguém com quem falar sobre elas; de que serve
sentir dor se não nos podemos queixar dela a alguém que se interesse, se não a
podemos usar para obter atenção e ternura dos outros? Afinal, a doença não servirá
apenas para isso? Para nos colocar momentaneamente no centro do mundo? Irá
portanto ao centro de saúde.
Pensa: “foda-se, que
envelhecer é tão triste.” E, incapaz de não o fazer, vai pensando nas
perdas que foi acumulando; tenta recordar a última vez em que correu numa
praia, a última vez em que andou de bicicleta e a última vez em que teve uma
erecção, a última vez em que dançou, em que abraçou e levantou uma mulher no
ar, a última vez em que alguém lhe deu um aperto de mão e isso não fez estalar
os ossos e a última vez em que se penteou sem que o cabelo se acumulasse no
pente, a última vez em que dormiu uma noite inteira sem sentir qualquer dor,
qualquer incómodo físico, em que simplesmente dormiu; e enquanto pensa em tudo
isso olha para o chão, seguindo os avanços insistentes e resolutos de um par de
formigas. E é quando observa as formigas que se lembra, inesperadamente, do dia
em que atirou uma caixa de preservativos para o lixo porque teve a certeza absoluta
que nunca mais iria precisar deles. Sabe – mas quer esquecer – que o corpo, na
verdade, só é verdadeiramente sentido e percepcionado, só é verdadeiramente
consciencializado, em dois momentos antagónicos: na dor e no prazer. Para além
disso, o corpo de nada serve, é apenas cenário; envelhecer será pouco mais do
que um processo lento e inexorável de diminuição dos momentos em que o corpo
proporciona prazer e aumento dos momentos em que proporciona dor; a lenta e
irreversível transformação de corpo em dor.
Tenta distrair-se, esquecer os preservativos desnecessários.
E olha em frente porque só daí poderá chegar verdadeira distracção; vê a gente
do costume desfilar, sempre apressada e absorta, triste e cansada logo pela
manhã; tem um pensamento inesperado, algo absurdo, que o entretém enquanto
repara na infinidade de tons de cinzento com que se pode descolorir a roupa: de
toda aquela gente talvez seja ele que esteja mais próximo da morte mas quem
sabe se não será, afinal, ele o que está mais vivo; porque as pessoas parecem
tão anestesiadas pelas preocupações e pelas necessidades, pela angústia de ter
e ser e parecer, que talvez nem estejam verdadeiramente vivas. Mas logo depois
percebe que este é apenas mais um pensamento invejoso e rancoroso, uma
idiotice. E ele sabe que também nisto funciona a lei das compensações, tal como
nos risos: por cada capacidade que se perde, adquire-se um pensamento
rancoroso. Morrer é, também, uma espécie de rancor definitivo: perdeu-se tudo,
ficou apenas um ressentimento absoluto e permanente.
Os minutos vão passando e a mulher não aparece. A velhice é um
estado triste não apenas porque o corpo vai avariando mas também porque a
fronteira entre bom senso e insanidade vai tornando-se muito ténue; e se lhe tivesse
dado para comprar uma caixa de preservativos, em vez do maço de cigarros? Sorri
com a parvoíce da ideia, e sabe-lhe bem sorrir. Seria estranho andar por aí com
uma caixa de preservativos no bolso; e se lhe desse um ataque no meio da rua?
Os tipos da ambulância iriam fartar-se de rir quando encontrassem a embalagem
intacta, novinha; talvez até ficassem com ela, e se assim fosse nem tudo se
perderia. Vai observando as folhas amareladas caídas no chão, para se distrair
das pessoas que passam, também para tentar recordar quando foi a última vez que
o seu corpo foi fonte de prazer. São bonitas, as folhas; quase apetece
apanhá-las e guardá-las num livro, uma a uma, cuidadosamente, como antes faziam
as raparigas que gostavam de poemas. Mas apesar da beleza das folhas o distrair
um pouco, a pergunta que lhe baila pela cabeça é esta: porque se apaixonam as
pessoas? É uma triste pergunta para um velho fazer a si próprio. Contudo, é a
pergunta que não o abandona, desde que aquela mulher desconhecida se desviou do
seu caminho para lhe sorrir e pedir um cigarro. Ele não tinha o cigarro e
sorrira tarde de mais; perdera uma oportunidade e, agora, pensava em questões
absurdas, que é o que sempre faz quem perde oportunidades.
Entretanto, o tempo vai avançando; há agora menos pessoas a
passarem, as folhas continuam a cair das árvores por motivo nenhum, além dos
óbvios: serem arrastadas pelo vento e pisadas por alguém, uma e outra vez.
Pessoas que pisam folhas de árvore, pensa o velho, são pessoas desatentas e
desdenhosas, indiferentes à beleza, à delicadeza, à efemeridade; é como se
pisassem a própria essência da vida. É também por isso que, antes, as raparigas
guardavam as folhas em cadernos: era como se estivessem a guardar pedaços de
vida ou, pelo menos, símbolos de vida. Continua a olhar para as folhas mas não
por motivos filosóficos, cansou-se de filosofias ainda antes de deixar de
fumar; olha, simplesmente, porque receia espreitar as pessoas que passam, receia
reconhecer entre elas a mulher e perceber que ela não vai parar para lhe falar,
que não vai sequer olhar. Sabe que é isso que irá acontecer, que irá ser irremediavelmente
devolvido ao seu destino de cenário; ainda assim, apetece-lhe acreditar que
não. Apetece-lhe fantasiar, que é algo que os velhos também se vão desabituando
de fazer, porque a fantasia é uma forma de sonho e os velhos têm medo de sonhar,
sabem melhor do que ninguém que sonhar pode ser muito perigoso. Desabituou-se
mas não esqueceu por completo como se faz; e por isso fantasia, rodeado por
folhas amarelas e pelo vazio da natureza. Se ela vier, a primeira coisa que
perguntará será o seu nome. Sempre resultara, noutros tempos; perguntar o nome
e sorrir logo de seguida ou mesmo em simultâneo, não poderia esquecer-se de
sorrir. E depois de elogiar o nome dela, fosse ele qual fosse, diria: “eu sou o Afonso.”
Chama-se Afonso, o velho.
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