Quando chego a casa,
encontro-a dentro da banheira; mas a banheira está vazia e ela completamente
vestida. Esta visão é surpreendente e perturba-me um pouco, assusta-me; contudo,
a expressão do seu rosto é serena e tranquila, apaziguada. Olho-a e sorrio,
tento não me alarmar nem reagir precipitadamente; mas sou incapaz de me
aproximar dela e acariciar-lhe o cabelo (o que teria feito, em circunstâncias
normais); respiro fundo e, esquecendo-me de continuar a sorrir, pergunto o que
se passa. Ela sorri (por ela e por mim) e, calmamente, explica.
-
Nem sei. Nada de especial, acho eu. Estava apenas a pensar como a vida avança
em ciclos; não é? Os dias que se sucedem, e depois as semanas, os meses, os
anos; tudo ordenado e previsível. Como se vivêssemos permanentemente no
interior de uma rotunda, em rotundas dentro de rotundas, sempre às voltas; porque
tudo é circular, tudo se repete. E como podemos inverter isto? Como quebrar a
linearidade do tempo, como desafiar o destino, como enganar o futuro e torná-lo
mesmo inesperado? Já alguma vez pensaste nisso? Eu penso, por vezes. Porque,
afinal, que tem o futuro de verdadeiramente imprevisível? Que efectivo grau de
surpresa nos reserva o futuro? Mesmo que os eventos nos surpreendam, nós somos
sempre nós, somos uma espécie de constante que vai evoluindo mas sem efectivamente
mudar na essência; seremos sempre incapazes de nos surpreender a nós próprios,
é esse o problema, é isso que nos perturba e irrita, que nos deprime: nunca
haverá genuína surpresa porque o futuro é uma mera repetição do passado. Portanto,
apenas no resta tentar desafiar o futuro a surpreender-nos. E é nisto que tenho
pensando, em formas de contornar a previsibilidade do que ainda há-de vir.
Sorri. Como se tudo
estivesse normal. Como se fosse uma manhã de sábado cheia de sol e a banheira
estivesse cheia de água, a casa de banho cheia de vapor, e estivéssemos a falar
daquele programa de culinária que tínhamos visto no outro dia; tudo normal.
-
Sabes de que me lembrei? Pensei que poderia tentar inverter as coisas: recusar-me
a ficar à espera que o futuro me surpreenda mas surpreender, eu própria, o
futuro. Fazer algo improvável e inesperado, inexplicável (talvez aquilo que
muitos chamam loucuras, percebes?), algo que distraia o natural fluir dos acontecimentos,
enganando e baralhando o futuro. Tentar inverter a normalidade, tentar suspender
a metódica marcha do tempo; ou, pelo menos, brincar com o tempo, provocando-o
um pouco, desorientá-lo de tal forma que possa surpreendê-lo por um momento e,
apanhando-o distraído, tomar posse do meu próprio destino, fazendo dele o que
desejar. Porque bastaria um pequeno momento, penso eu. E tudo poderia ser
diferente. Não achas?
Não sei o que achar.
Poderia dizer-lhe que se estava a contradizer, ao desejar que tudo fosse
diferente quando acabara de afirmar que nunca existirá genuína surpresa na vida
de alguém; mas talvez seja a contradição que nos desafie e faça avançar, talvez
a harmonia apenas conduza ao conformismo e à letargia, à resignação.
-
Há pessoas que pensam que a vida é como um jogo de xadrez; e depois decoram
jogadas inteiras, planeiam tudo, antecipam tudo, imaginam que controlam tudo; esquecendo
que quem joga com elas também tem as suas próprias estratégias, esquecendo que
o destino tem as suas próprias estratégias. Diz-me, o que será melhor: jogar
por instinto ou jogar planeado? Quanto a ti, não sei. Mas eu estou um bocadito
cansada de jogar planeado. Estou mesmo. E estava aqui a imaginar o que pensará
o destino quando me vir assim, vestida e sorridente numa banheira vazia. Não
sei o que pensará mas, sabes, apetece-me mesmo fazer um xeque-mate ao destino. Sim,
acho que é isso que queria: fazer xeque-mate ao destino.
Escuto-a mas não sei
o que pensar, o que sentir; não sei se ela terá ficado momentaneamente louca ou
se está simplesmente certa, tão certa que não existe razão para que eu tenha dúvidas
ou hesitações. Permanecemos em silêncio, escutando apenas o distante rumor do
universo (aquele rumor que, no fundo, mais não é do que um indisfarçável bocejo),
infinitamente distantes um do outro. Mas, então, reparo que estou a sorrir, que
por algum motivo desconhecido começara a sorrir; e é a sorrir que pergunto: deixas-me entrar, posso juntar-me a ti?