Fiquei surpreendida quando ele me
conduziu à loja e disse: escolhe o que
quiseres. Senti-me feliz, claro: ele ainda não me oferecera nada, desde que
estávamos juntos; e, por momentos, quase me senti amada (mas ainda era muito
cedo para isso, obviamente). Deambulámos por ali, sem pressa, tocando as roupas
com as pontas dos dedos e sorrindo, segredando banalidades; até que, por fim,
vi o que queria e soube que seria meu.
Quando saí do provador da loja,
exibindo o vestido que seleccionara, os olhos dele brilharam. Sorri e olhámo-nos
em silêncio durante alguns segundos; não havia mais ninguém na loja, a música
que se ouvia não era excessivamente incomodativa; o momento, que me pareceu
especial, poderia ter-se prolongado por uma eternidade. Por fim, ele disse: extraordinário. Ri, agradada e feliz;
agradecida. E o momento terminou, devagarinho.
Claro que gostaria de sair da
loja usando o vestido mas, como estávamos juntos há poucos dias, não quis forçar,
não quis parecer parvinha, não quis que ele me dissesse: és tão vaidosa. A rapariga da caixa olhou-nos com indiferença, sem
sequer sorrir; pegou no vestido e fez as coisas que as raparigas das caixas
sempre fazem, com enfado e sem excessiva eficiência. Não me importei, sempre
soube como a felicidade alheia incomoda e perturba os infelizes, os menos
felizes, os pouco felizes. Inesperadamente, ele disse: faça-me um embrulho, se faz favor. Estranhei um pouco mas não disse
nada; pensei vagamente em jogos eróticos e sorri para mim própria, excitada.
Ficámos, então, a olhar para a moça, em silêncio e sem pressa, vendo-a tratar
do embrulho, contrariada e abstraída. (Eu a pensar em sexo; ele, não sei.)
Demos a mão e virámos costas à
rapariga, como se fossemos um par de adolescentes apaixonados e nada no mundo
interessasse além da ostentação da nossa felicidade. Mas quando íamos a sair da
loja, naquele sítio onde geralmente começam a tocar os alarmes, ele disse: a minha mulher vai gostar mesmo do raio do
vestido; escolheste bem. Houve um silêncio súbito; depois, uma sensação de
vazio, ou de queda, ou de desamparo, ou de fim, ou de perda, ou de desesperança.
Então, quase ao mesmo tempo, ouvi um inesperado riso distante, um riso triste e
infeliz, desnecessário: a moça da caixa.
Por fim, senti a vida retomar a
sua marcha e prosseguir, arrastando-me consigo, enquanto compreendia que não
havia par nenhum (nunca houvera, nunca haveria). Um pouco mais tarde, quando já
sabia que éramos apenas duas pessoas desconhecidas, ele tirou-me o saquinho da
mão; mas, nessa altura, já eu quase conseguira esquecer o vestido.