Ele,
já despido, pega o copo e olha pela janela, tecendo comentários preguiçosos e
irrelevantes sobre dois operários que trabalham no jardim da casa vizinha. Ela,
ainda vestida, está indolentemente estendida num cadeirão e escuta-o, sem
grande curiosidade ou interesse. Estão confortáveis, adiando ao máximo o sexo;
porque a antecipação é quase tão excitante como a própria concretização; e,
também, porque mal comecem já não haverá pausas, intervalos, adiamentos: e tudo
terminará demasiado depressa. E, por vezes, é agradável simplesmente conversar
um pouco, confabular sem pressa nem objectivo; como se existisse verdadeira
amizade entre si.)
ELA (num
tom quase indiferente): Ainda não disseste o que achas do vestido.
ELE (sem
se voltar para ela): É novo?
ELA (sem
se entusiasmar): Vi-o no outro dia numa montra e pensei logo
naquilo que tinhas dito.
ELE (após
uma pausa, quase contrariado): O que é que eu disse?
ELA (agastada):
Que gostavas de me ver num vestido preto.
ELE (fingindo
interesse mas sem a olhar): Fica-te bem.
ELA (incrédula
mas bem-disposta): Não te lembras, pois não?
(Ele
não responde; vira-se lentamente e olha-a, apreciativamente.)
ELE (sem
desviar o olhar): Tens alguma coisa por baixo?
ELA (sorrindo):
Vem ver.
(Ele
sorri e pousa o copo; aproxima-se dela, aperta-a contra si num amplexo quase
indiferente; afasta-lhe a alça do vestido, envolve o seio com a mão, acaricia o
mamilo sem pressa; Ela observa o seu próprio seio, séria. Então, toca um
telemóvel. Ela suspira, irritada; Ele afasta-se dela e caminha pela sala,
procurando a roupa; retira o telemóvel do bolso do casaco e atende.)
ELE (num
tom frio, falando para o telemóvel): Sim? (Escuta atentamente, enquanto caminha pela
sala. Ela olha o seu pénis flácido, aborrecida; volta a cobrir o seio, ajeita o
vestido.) Onde? (Acena com a cabeça,
concentrado na conversa.) Ok. (E desliga. Pousa o telemóvel
junto do copo e fica a olhar para a janela, pensativo.)
ELA (irritada):
Então, fodemos ou não?
(Ele
ignora-a, como se nem tivesse ouvido.)
ELE (num
tom triste e pensativo, quase um ciciar, como se falasse consigo próprio):
A minha mulher teve um acidente de carro. (Caminha em direcção às suas
roupas, sem pressa.) Acho que tenho de ir ao hospital. (Mas parece indeciso, pegando a camisa sem a
vestir; talvez aquela desgraça pudesse ser, afinal, um princípio de libertação,
um acaso inesperado, quase um bambúrrio.)
(Ela
estende-se no cadeirão, procurando uma posição mais confortável.)
ELA (fechando os olhos; num tom indolente, o tom de iniquidade e indiferença que sempre a caracterizara): Vai lá, espero aqui por ti.
ELA (fechando os olhos; num tom indolente, o tom de iniquidade e indiferença que sempre a caracterizara): Vai lá, espero aqui por ti.