A escada


(A partir do quadro “Jacob’s dream”, de Marc Chagall)

Havia um menino que perdera a sua mãe quando era muito pequeno, o que o deixava muito infeliz. Mas as pessoas faziam-lhe festinhas no cabelo ou davam-lhe pancadinhas no braço e diziam: não fiques triste porque a tua mãe está no céu. O menino ouvia toda aquela conversa sobre céu (que parece que é o lugar para onde vão as mães que já não podem viver nas suas casas) e ficava pensativo; e tanto pensou que, devagarinho, foi-lhe surgindo uma ideia: talvez pudesse construir uma escada gigante; e depois, subiria por ela, até chegar ao céu; procuraria a mãe (por entre as nuvens, por trás das estrelas?) e dir-lhe-ia: mamã, volta para casa que tenho saudades tuas. E desceriam os dois pela escada, de mão dada.
Sim, parecia-lhe uma boa ideia.

Começou a construção numa tarde de Verão, fresquinha e muito azul; o jardim estava tranquilo (havia apenas uns pássaros a passear por ali, preguiçosos), parecia que o mundo parara para descansar um pouco. Foi construindo e construindo, degrau após degrau; por vezes, parava para descansar e perguntava a si próprio se o céu ficaria muito longe; olhava as nuvens que passavam devagarinho e pensava em aviões (cheios de mães) que subiam sempre e nunca desciam. Depois, suspirava ruidosamente e regressava ao trabalho.
Decidiu fazer um intervalo quando terminou o sétimo degrau. E nesse dia não regressou ao jardim (adormeceu no sofá, depois do lanche); mas à noite, antes de dormir, fez umas contas; como só sabia contar até novecentos e noventa e nove (desconfiava que os números acabavam aí), imaginou que esse seria o número de degraus que teria de construir para chegar até ao céu; quis saber quantos ainda lhe faltariam, uma vez que já fizera sete: mas, infelizmente, ainda não aprendera a fazer contas de tirar.
Adormeceu triste, pensando que talvez não visse a mãe antes do fim do Verão.

O menino construía alguns degraus todos os dias e a escada ia crescendo, um pouco torta mas bem firme. Entretanto, o Verão acabou e teve de regressar à escola (a nova professora tinha umas tranças muito compridas que apetecia mesmo puxar e oferecia gomas aos meninos que tinham bolinha azul no comportamento; mas não ensinava contas de tirar). O pai encontrou uma namorada e voltou a sorrir. E a mãe continuava à sua espera, lá no céu (talvez um pouco triste com a demora).
Até que, certo dia, a escada chegou à Lua (degrau número novecentos e catorze). O menino sentou-se numa rocha e pôs-se a olhar para a Terra, um pouquinho triste e desanimado, enquanto imaginava o que faria quando finalmente reencontrasse a mãe.
Então, aconteceu a desgraça. Pensou e pensou e pensou: mas não conseguiu recordar como era o rosto da mãe; a verdade é que andara tão distraído com a construção da escada que até se esquecera de pensar na mãe. Como estava na Lua, sozinho e longe de toda a gente, não teve vergonha de chorar.

Nos dias seguintes, não lhe apeteceu trabalhar na construção da escada. Deixou-se andar pelo jardim (era de novo Verão e havia alguns pássaros a passear por ali, preguiçosos; seriam os mesmos?), irritado consigo próprio. Mas de repente, enquanto dava pontapés nas folhas caídas pela relva, recordou o som do riso da sua mãe; depois, logo depois, o cheiro das suas mãos. Parou para se sentar, fechou os olhos com força: e durante um momento muito pequenino, enquanto saboreava aquelas duas recordações preciosas, pareceu que ela estava mesmo ali, junto de si.
Abriu os olhos e tentou pensar com mais força, com mais desespero, lembrar-se de tudo, mesmo de tudo. E as recordações começaram a surgir, devagarinho, umas após outras (como degraus de uma escada).
Ia anoitecendo. Havia nuvens brancas a passear no céu e o cheiro distante de flores no ar (mas onde estariam as abelhas?); os passarinhos ainda cantavam, tentando vencer o silêncio. E o menino, sentado num canto do seu jardim, começava a acreditar que o enganavam quando diziam que a mãe estava no céu; começava a acreditar que a sua mãe estaria, na verdade, junto de si; dentro de si. Como se fosse parte de si.
E sorria, olhando para a Lua que acabara de aparecer. Pensando: o céu da minha mãe está aqui, sou eu.