Não é tempo para lamúrias e lutos e queixas e fugas; é tempo
para revoluções. E não podemos levar de novo cinquenta anos a fazer uma
revolução. Não pode ser, não é uma opção; porque dentro de cinquenta anos já
não existirá nada por que valha a pena lutar. Temos que começar agora, e já
vamos atrasados. Afinal, uma revolução até é simples de se fazer; basta começar
por dizer “não”. Dizer “não”, e depois gritar “não”; ir repetindo e gritando,
sempre “não”, e acreditar que se muitos dissermos “não”, será mesmo “não”. É
quanto basta para começar uma revolução. E há que começar já, porque estamos
fartos.
Estamos fartos de quem nos rouba a esperança, estamos fartos
de ter medo e de fugir e de recear o futuro, estamos fartos de estar quietos, estamos
fartos de egoísmos e de gente que vai andando com as vidinhas às costas sem
olhar para o mundo que ao lado se desmorona, estamos fartos de nos acomodarmos,
estamos fartos de mercados e raitings e troikas e juros e merkels e
privatizações e neoliberais e aumentos de impostos, estamos fartos de ser
tratados como imbecis, estamos fartos de gatunagens e humilhações, estamos
fartos de quem diz que direita e esquerda é a mesma coisa, estamos fartos de
fado e tourada e futebol e de todas as outras distracções de regime, estamos
fartos de jotas, estamos fartos de sofrer porque não sabemos o que vai ser dos
nossos filhos, estamos fartos que nos digam que não vale a pena lutar e
protestar e recusar, estamos fartos de quem nos quer ver transformados num povo
de burros e atrasadinhos e resignados e subservientes, estamos fartos de pobreza
e miséria e de quem diz que esse é o nosso destino inevitável, estamos fartos
de passados gloriosos e história e saudosismo e de dão sebastiões, estamos
fartos de quem nos quer fazer acreditar que ter um emprego é um privilégio e um
luxo, estamos fartos de já não conseguirmos arranjar motivos para rir, estamos
fartos que dêem cabo dos serviços públicos de educação e saúde e televisão e
dos outros todos, estamos fartos de não ter dinheiro para a gasolina, estamos
fartos da ausência de ética e de solidariedade das elites, estamos fartos de
comentadores e economistas e de todos os outros que nos negam o direito de
acreditar em utopias, estamos fartos de não nos sentirmos livres, estamos
fartos de quem tem medo da palavra revolução, estamos fartos de ser fodidos dia
após dia após dia.
Estamos fartos. Ou não, será que estaremos? Quem se calar
talvez ainda não esteja, talvez aguente mais um bocado; que aguente, então. Mas
quem estiver farto que diga “não”, que grite “não”, que escreva “não”. Que
acredite que cada “não” dito, gritado ou escrito faz alguma diferença e que é à
junção solidária de tantos “nãos” que se chama revolução.
Agora, as ruas irão encher-se de gente, alguma
silenciosa e outra que dirá “não”. Por lá andarão, certamente, muitos dos
4035539 cidadãos portugueses que nas últimas legislativas não se deram ao
trabalho de votar, por certamente estarem ocupados com coisa bem mais
importante; por lá andarão muitos dos 793508 cidadãos portugueses que, como eu,
votaram num partido de esquerda; por lá andarão muitos dos 1568168 cidadãos
portugueses que votaram no PS, que não sendo bem de direita, de esquerda
certamente não será; por lá andarão muitos dos 413189 cidadãos portugueses que
votaram num daqueles partidos de que nem sabemos bem o significado da sigla mas
que são tão importantes como todos os outros; por lá andarão alguns dos 2813729
cidadãos portugueses que votaram nos partidos do governo e entretanto se
arrependeram. Por lá andaremos muitos de nós; e a revolução começará assim:
dizendo “não”.
(15 de Setembro de 2012)